De acordo com a antropóloga Maria Lúcia de Carvalho, a sobreposição de terras indígenas com unidades de conservação é viável e os índios guaranis podem até colaborar para manter invasores afastados dos parques.
Em entrevista à Folha por telefone, a antropóloga, que trabalha há 20 anos na Funai, afirmou que a ameaça ao ambiente está nos "homens brancos" e não nos guaranis.
"Criaram-se parques para, justamente, preservar áreas nas quais os índios sempre viveram e nuca degradaram", afirma Carvalho.
Atualmente, ela participa de um grupo de trabalho que discute a sobreposição de terras indígenas e unidades de conservação.
DA EQUIPE DE TREINAMENTO
Para Maria Cecília Wey de Brito, coordenadora do parque estadual Intervales, onde está situada a aldeia Peguaoty, a presença de índios em unidades de conservação é inaceitável.
Em entrevista à Folha, a engenheira agrônoma, que trabalhou para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) na demarcação das três aldeias situadas no município de São Paulo, culpou a Funai pela situação atual dos guaranis. "O trabalho da Funai simplesmente não é feito", afirma Brito.
Segundo ela, a possibilidade de que unidades de conservação sejam usadas para abrigar comunidades indígenas, de qualquer etnia que seja, "não pode ser lavada a sério".
Folha - Guaranis preservam ou degradam o ambiente? Maria Lúcia de Carvalho - Claro que preservam.
Folha - A sobreposição de parques e terras indígenas é viável? Carvalho - Acho que a sobreposição é possível de ser aceitável porque não são os índios que degradam o ambiente, somos nós. Eu sei que eles preservam, mas essa é uma questão política.
Folha - O que torna a questão política? Carvalho - Há um ambientalismo, entre aspas, que está preservando para outros interesses: de reserva de mercado, de turismo ecológico.
Folha - O que a senhora quer dizer com interesses em reserva de mercado? Carvalho - Reserva de recursos e de princípios ativos para pesquisa.
Folha - Como garantir o direito dos guaranis à terra? Carvalho - Primeiro é necessário reconhecer a tradicionalidade da ocupação guarani. Quando nós chegamos, em 1500, eles já estavam ocupando todo esse cone sul.
Folha - Seria possível sobrepor terras indígenas a unidades de conservação? Maria Cecília Wey de Brito - Isso, no nosso ponto de vista, não existe. Uma ocupação, por mais guarani que seja, é uma ocupação.
Folha - Mesmo diante da tradição guarani de preservar o ambiente? Brito - Embora entre nós, populações habitantes do planeta, os índios tenham uma ação diferenciada com relação à natureza, não quer dizer que eles não sejam impactantes.
Folha - Qual seria a solução para os guaranis? Brito - A vontade do Estado de São Paulo é de que a Funai faça seu trabalho.
Folha - Como isso ocorreria ? Brito - O ideal é que ambos os territórios [parques e terras indígenas] cresçam e não que disputem o mesmo espaço. Nós planejamos que o Estado de São Paulo aponte para a Funai territórios que não são unidades de conservação e que o Incra deveria desapropriar para que essas comunidades, que estão dentro das unidades, possam ser transferidas.
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