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Novo em Folha 41ª turma
21/06/2006

Leia na íntegra a entrevista com Ricardo Molina de Figueiredo, professor da Unicamp e perito criminal particular

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Folha - Como o senhor compara a perícia oficial brasileira em relação à particular?

Molina - Falta flexibilidade. O camarada às vezes é químico, faz o concurso para perito da Acadepol e entra. Daqui a pouco, ele está fazendo análise de roubo de veículos, fotografia, coisa que não têm nada a ver. O físico vira grafotécnico.

E tem também a premência do tempo. É sempre uma coisa maluca o número de casos que a polícia recebe... Não tem condição se fazer uma perícia oficial de boa qualidade. E não é nem tanto pela falta de profissionais, é porque a estrutura não é boa e o número de casos é grande demais. O policial brasileiro não consegue trabalhar. Tem 60 e poucos casos por final de semana em São Paulo, não tem como ser ágil. Veja só, somente nesse último episódio, dos ataques do PCC, são 132 corpos. Como é que você vai fazer um trabalho bom? Não tem jeito! Aí o cara confunde entrada de bala com saída de bala. Daí a impunidade, pois se você não tem uma prova técnica convincente, não condena ninguém.

Folha - O número de peritos oficiais é suficiente?

Na verdade o problema é o excesso de crimes. É preciso mais dinheiro, mais peritos mais investimento. Mas eu acho que chega perto do impossível, pois se não se reduzir a criminalidade não dá, se não você tem que montar uma estrutura gigantesca.

Ás vezes, quando eu dou palestras e encontro o pessoal do Instituto de Criminalística, eles me interpretam mal, falam que eu sou privilegiado. Eu tenho tempo, eles não têm como fazer uma perícia com o mesmo nível, como por exemplo com reconstituição computadorizada.

Lá fora é diferente. O melhor exemplo que é BKA, que é o FBI alemão. A maioria das pessoas que trabalham lá têm no mínimo doutorado. Dão aula na universidade. A diferença é que eles não são meros "empregadinhos", eles são professores, pesquisadores. Mas você também não vai comparar a criminalidade da Alemanha com a criminalidade do Brasil.

Folha - E a questão da independência da perícia oficial com a polícia e o governo?

Molina - Imagine um caso onde você tenha que fazer uma perícia que envolva a Secretaria de Segurança Pública. Isso no Brasil não é difícil de acontecer. Como é que o cara vai ter isenção? É complicadíssimo. No exterior esses institutos estão mais desvinculados, são mais autônomos, têm vida própria. Isso é uma antiga reivindicação dos peritos oficiais no Brasil, que querem deixar de ser policiais. Mas isso não interessa a muita gente, pois assim você sai debaixo da batuta, né? Pro secretário de segurança não é interessante, pro governador não é interessante. Como é que você vai fazer um caso contra o cara que paga seu salário?

Folha - O senhor não tem nenhuma ligação com a polícia, não é?

Molina - Não, mas eu faço muito laudo policial. Existe um tipo muito específico de perícia que é a de cena de crime. Essa o perito privado não vai fazer nunca, não temos acesso. E é aquela esculhambação, não se preserva a cena do crime no Brasil. Entra delegado, entra PM, entra jornalista com câmera, pisoteiam tudo. A equipe do Datena [José Luiz Datena, jornalista] chega antes da polícia. A maioria dos crimes no Brasil não é resolvida porque não há preservação das cenas.

Nos casos em que há gravações, por exemplo, vídeos que levam a um processo interno na polícia, ou a um inquérito policial qualquer, eu posso ser chamado. Um delgado tem uma fita e não sabe o que fazer com aquilo. Precisa ver se a fita é autêntica. Ele pode me pedir para a fazer. O fato de eu não estar dentro do sistema me dá isenção, eu acredito.

Folha - Qual a sua opinião sobre a qualidade do curso de perito na Academia de Policia?

Se a perícia fosse uma especialidade, tudo bem, o curso até poderia ser suficiente. Mas não é. O camarada vai chegar lá e vai ter que fazer um monte de coisas. E o chefe dele não vai nem querer saber. Tem que resolver petição em dois dias. O cara é químico, mas tem que se virar. No interior o perito é faz-tudo.

Um perito pode ter várias especialidades. Eu mesmo faço grafotécnica, identificação de voz, tudo que é ligado a reconhecimento de padrões. Sobre o que eu não entendo eu posso fazer parcerias. Isso é impensável na estrutura oficial.

Folha - Como você avalia a estrutura técnica e tecnológica da perícia oficial no Brasil?

Molina - Há uma boa estrutura em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tem ainda Belo Horizonte. No resto do Brasil, não há praticamente nada.

Eu diria que São Paulo está bem equipado. Aqui não se pode reclamar de equipamento. Mas equipamento representa 50%. O restante é formação. Na Acadepol, você vai ver uma placa onde está escrito "Laboratório de Fonética Forense", mas só tem a placa e os equipamentos. E gente para mexer naquilo?

Na Inglaterra eles não só fazem pesquisa como constróem aparelhos quando precisam. Por exemplo, eles estavam querendo scanner para chão, para pegar pegadas de sapato, etc. Eles construíram o aparelho, porque não tem no mercado. Aqui no Brasil o cara mal pode fazer o trabalho dele, vai fazer pesquisa? Eles têm dois assassinatos por ano... A gente com 60 por semana não dá.

Folha - De quem é a culpa dessa estrutura deficitária?

Molina - Temos criminalidade por causa da impunidade. E temos impunidade porque tecnicamente os laudos são ruins e é difícil condenar alguém. Precisa tudo melhorar ao mesmo tempo. Precisamos melhorar a qualidade dos laudos, o que vai fazer a criminalidade diminuir e a gente vai entrar num círculo virtuoso. Com a criminalidade que a gente tem hoje, não há perito que aguente.

Folha - Qual foi o seu caso mais difícil?

Molina - O mais difícil foi do ACM, acusado de adulterar o painel eletrônico do Senado. Tecnicamente foi difícil reconstruir a conversa gravada na fita que me passaram, pois o gravador estava em outra sala. E politicamente também foi difícil, pois havia muita pressão.

Folha - Alguém chegou a entrar em contato com o senhor e fazer pressão direta?

Molina - Sim, até por meio da universidade. Tive muitos desentendimentos lá dentro por causa disso. Para a Unicamp, politicamente, não interessava fazer esse caso. A universidade não é isenta como todo mundo imagina. O reitor tem um partido político. Ele está lá e também é subalterno ao governador. Já tive casos na época do Collor em que a reitoria me disse para não fazer.

Nós fizemos um laudo para o ministério público sobre o caso do "Rambo" [policial acusado de homicídio no caso Favela Naval]. Esse caso foi bem complicado. O crime já tinha sido resolvido, entre aspas, lá entre eles. Quando apareceu a fita, não batia com o depoimento dos acusados. Na verdade foi um ato deliberado por parte do policial e nós provamos isso por meio da reconstituição. Esse policial foi condenado.

Teve também o caso do Grafite. Um cara que estava na sacada da casa dele e depois de uma ação policial em Santo André chegou morto no hospital. A polícia disse que a morte se deu no confronto. E não foi. Foi no camburão. Nós fizemos um laudo mostrando não havia outra possibilidade. Pra você ter idéia da pressão, o promotor saiu do caso. E recentemente eu fiquei sabendo que o processo foi arquivado por falta de provas. Ás vezes, nem a prova técnica tem força frente à pressão política.
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