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Novo em Folha 41ª turma
21/06/2006

Íntegra de entrevista: Sérgio Britto, vocalista e tecladista dos Titãs

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Antes de "Cabeça Dinossauro", vocês lançaram dois discos mais voltados para o pop. Por que a mudança de sonoridade em "Cabeça Dinossauro"? O que levou a essa nova experiência sonora?

Não foi assim tão de uma hora para outra como pode parecer. Era algo que já vinha acontecendo. Por exemplo: "Bichos Escrotos" é anterior à gravação do nosso primeiro disco, só não gravamos naquela ocasião por que a censura não permitiu. No disco anterior ao "Cabeça" _"Televisão"_, a faixa título, "Massacre", "Pavimentação" e "Autonomia" já apontavam também para essa direção. "Babi Índio" e "Pule", do primeiro disco, se tivessem sido gravadas com um pouco mais de qualidade, também poderiam ser vistas desse modo.

Fazer um disco com uma sonoridade e um repertório mais pesado era um desejo antigo de alguns de nós que, aos poucos, contaminou todo mundo.

A prisão do Arnaldo [Antunex, ex-vocalista da banda] e do Tony [Bellotto, guitarrista] e conseqüentemente o relativo fracasso de "Televisão" são fatores extra-musicais que, naquele momento, talvez também tenham contribuído para essa virada.

Vocês tiveram medo de uma recepção fria por parte dos fãs e da imprensa por conta da mudança?

Medo não. Estávamos muito convictos e a gravadora parecia acreditar na gente, mas houve sim alguma resistência inicial da mídia, e algumas pessoas da imprensa levaram muito tempo para entender e valorizar o disco que fizemos.

Quanto tempo durou a gravação do disco?

Um mês para gravar e mixar. Em duas semanas já estava quase tudo pronto.

Qual a importância que o produtor Liminha teve para esse projeto?

O Liminha foi o responsável pela realização do nosso maior sonho: gravar com qualidade, liberdade e em altíssimo astral.

No que diz respeito à parte estritamente musical (fora "O Que" e "Família", que tiveram os arranjos reestruturados), tudo já estava pronto há um bom tempo. As canções, os arranjos e até mesmo o formato das músicas já estavam definidos muito antes de entrarmos em estúdio.

Qual foi a primeira música do disco a ser gravada? E a última? Qual foi a que demorou mais?

A primeira foi "AA UU". Já tocavamos a música em shows e o arranjo estava muito bem resolvido.

A última a ser gravada foi "O Que", e foi também a que mais deu trabalho. O arranjo mudou totalmente no estúdio e o Liminha, aqui, teve participão decisiva: programou a bateria eletrônica, sugeriu a linha de baixo, tocou guitarra e deixou a gente fazendo uma "jam" interminável durante dois dias até a chegar ao resultado final. Aquilo abriu um novo horizonte para nós e nos colocou em contato com elementos que iríamos explorar bastante nos anos seguintes.

Quais foram as principais influências da banda para a gravação desse disco?

A canção brasileira sempre foi uma forte influência para nós. De Noel Rosa a Mutantes. O punk rock e a new wave também. É dificil apontar um só artista ou um só estilo. A diversidade sempre foi a nossa marca registrada.

E qual foi a influência que "Cabeça Dinossauro" teve na sonoridade da banda até os dias de hoje?

Já fizemos muita coisa e não somos mais só "a-banda- do-Cabeça-Dinossauro"."Õ Blesq Blom" tem outras características mas foi, para nós, tão marcante quanto.

Fora isso há o "Acústico", as fases de "Sonífera "Ilha", "Comida", "Epitáfio" etc.

Apesar disso devo confessar que quando falamos em fazer um arranjo ou uma canção "a la Titãs", é sempre no "Cabeça Dinossauro" que pensamos. Foi lá que inventamos o nosso vocabulário.

Houve uma sensível mudança nas letras desse disco em comparação com os anteriores. Em faixas como "Polícia" e "Bichos Escrotos", as letras estão bem mais politizadas. Por que essa mudança nas letras das músicas?

Não sei se "politizadas" é o termo exato. Ácidas, agressivas, críticas talvez?

Como disse, pode até parecer, mas não foi de uma hora pra outra que isso aconteceu. Esses elementos sempre existiram na nossa música. Só não haviam sido registrados ou não haviam sido, até então, tão bem realizados.

Quer exemplos? Uma das primeiras músicas do nosso repertório era "Charles Chacal", que falava de um serial killer.

Dessa safra também fazia parte "Vá trabalhar", que dizia: "Vá se enfeitar, pinte a boca, ponha falsos cílios / Você quer se matar, você já tá pra lá de a perigo / Esse buraco aonde você se enfiou, esse buraco foi você quem cavou / Sua casa o seu ninho de amor".

Quando lançaram o disco, vocês tinham alguma idéia de que ele iria marcar tanto o Rock Brasil?

Não, a gente não fazia a mínima idéia do que iria acontecer, mesmo porque, até aquele momento, nós éramos vistos como uma espécie de patinho feio do rock brazuca.

Vocês mudariam alguma coisa no disco?

Não! Tá louco? Nenhuma vírgula!

Vocês consideram "Cabeça Dinossauro" o melhor disco da banda? Consideram o mais influente? Quais artistas você acha que claramente foram influenciados pelos Titãs?

Com certeza é um dos melhores que fizemos. Só comparável ao "Õ Blesq Blom" e "Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas".

Acho que não posso apontar nenhuma banda que pareça ter sido diretamente influenciada por nós.

Em contrapartida, "Õ Blesq Blom", se não influênciou, ao menos antecipou toda a onda do manguebeat e a mistura de MPB e música nordestina com elementos de rock e programações eletrônicas.

O que você acha do disco "Dois", da Legião Urbana?

Acho que dentro da discografia deles equivale ao "Cabeça", com uma sonoridade mais redonda (guitarras limpas e canções mais melódicas em vez da gritaria e dos riffs distorcidos do nosso). É também um grande disco e "Índios", uma obra prima do pop-rock brasileiro. Ela é uma das canções mais originais da Legião Urbana.

O que você acha do disco "Selvagem?", dos Paralamas do Sucesso?

Quando entramos no [estúdio] Nas Nuvens para gravar o "Cabeça", os Paralamas haviam acabado de sair de lá. O disco que eles tinham gravado era, sob vários aspectos, diametralmente oposto ao que iríamos fazer .O tempo acabou provando que há muito mais semelhanças que diferenças entre as duas bandas, principalmente na maneira de encarar o desafio de fazer música pop no Brasil sem ser mera cópia do que se faz lá fora, e ao mesmo tempo sem ser bovinamente brasileiro.

A nossa tentativa sempre foi ser, por mais estranho que possa parecer, "profundamente brasileiros", como Raul Seixas, como a Jovem Guarda, como a Bossa Nova, como os tropicalistas, e acho que, nesse sentido, os Paralamas são a banda que mais se parece com os Titãs. "Selvagem" é com certeza um clássico.

Há mais alguma curiosidade, detalhe sobre a gravação do disco que você gostaria de contar?

Os acetatos com os esboços do Leonardo da Vinci que estão na capa e na contra capa do disco vieram diretamente do Louvre trazidos por um amigo do meu pai. Antes disso tudo o que tínhamos, eram reproduções pequenas e sem qualidade suficiente para viabilizar o projeto gráfico. As primeiras 30 mil cópias do disco foram feitas em um papel fosco e poroso muito mais caro que o normal. Generosidade do André Midani, então presidente da Warner, que nos deu total apoio antes, durante e depois da gravação, atendendo a tudo o que pedíamos.

A percussão na faixa "Cabeça Dinossauro" foi o Liminha que tocou. Depois de várias tentativas mais elaboradas, ele começou a improvisar _tocando nas paredes, no chão e nas colunas do estúdio_ numa espécie de transe. Assim que ele acabou, todo mundo disse imediatamente: ‘é isso aí, do caralho!’

Outro detalhe curioso, é que gravei a voz solo de "Polícia" no primeiro "take", enquanto o Liminha conversava sobre pesca submarina com o Evandro Mesquita. Talvez isso tenha me ajudado a ficar mais puto ainda. Quando fomos ouvir o resultado, eu queria regravar a voz, a qualquer custo, porque tinha sido muito fácil. Mas todos acabaram me convencendo de que estava bom.

A voz de "A Face do Destruidor" foi gravada em cima da base tocada de trás para frente. Quando gravamos, tínhamos que pensar que aquilo ia ser ouvido dessa maneira.

O Tony [Bellotto, guitarrista] fez todos os solos importantes do disco usando uma técnica no mínimo curiosa: revezava um anel grande que ele tinha na mão direita com a palheta para tocar, e ao mesmo tempo, tirar efeitos percussivos da guitarra.
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