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Novo em Folha 41ª turma
21/06/2006

Efeito CSI multiplica interesse pela profissão de perito criminal

Sucesso da série norte-americana de TV aumenta fascínio por atividade que mistura ciência e crime

Em São Paulo, há crimes demais e peritos de menos; na prática, criatividade substitui tecnologia, e a desistência chega a 20%

ANDREA MURTA
MARIANA TAMARI

MUSEU É SALA DE AULA PARA PERITOS
Sejam celas de ferro com reféns, esqueletos na mata ou duplo homicídio numa casa, os novos peritos têm no Museu da Polícia Civil simulações ideais para análises de cenas de crimes. O local é aberto ao público.
Na cômoda, um doce romeu-e-julieta apresentava sinais de mordidas. Ao seu lado, a vítima _uma senhora idosa_ foi encontrada morta. Ela tinha, além de sinais de espancamento, os pés e as mãos amarrados, uma toalha embebida em removedor para limpeza enfiada na garganta e um saco plástico amarrado em volta da cabeça.

A análise da cena acima foi suficiente para que os peritos do Instituto de Criminalística de São Paulo identificassem mais tarde o culpado pelo crime. À primeira vista insignificante, a goiabada com queijo foi fundamental: a mordida forneceu aos peritos um molde de arcada dentária, que pôde ser comparado com a arcada dos suspeitos. Com base nas evidências, não demorou muito para que um ex-empregado confessasse o homicídio.

O fascínio da aplicação da ciência na criminalística, ampliado pelo sucesso da série norte-americana "CSI" (leia texto ao lado), está levando cada vez mais pessoas a buscarem a profissão de perito criminal.

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Cena de morte simulada no Museu da Polícia Civil auxilia aprendizado dos estudantes da Acadepol Carlos Alberto Costa, André Sakaguchi e Alessandro Viana Pereira
Cena de morte simulada no Museu da Polícia Civil auxilia aprendizado dos estudantes da Acadepol Carlos Alberto Costa, André Sakaguchi e Alessandro Viana Pereira
Ao longo de três concursos públicos, as inscrições aumentaram cerca de 120%. Em 2005, a Acadepol (Academia da Polícia Civil de São Paulo) contou com 10.800 candidatos para disputar as 159 vagas ofertadas para o curso de perito que teve início em abril deste ano. No concurso anterior, em 2002, eram 7.800 candidatos para 129 vagas, e em 1993 _ano do penúltimo concurso_ apenas 4.900 inscritos concorreram às 120 vagas oferecidas.

O nível dos candidatos reflete o acirramento da disputa: todos têm ao menos o superior completo, e muitos acumulam títulos de mestrado e doutorado em áreas tão diversas como direito ou biologia (não há especificidade para a graduação).

Carlos Alberto Costa, 39, um dos aprovados deste ano, afirma que a aplicação direta da ciência foi o principal atrativo para a profissão. Formado em química, com mestrado e doutorado na área de engenharia de alimentos, Costa quis se tornar perito após observar a atuação de um amigo. "É apaixonante. Dependendo do que você está periciando, a adrenalina é enorme", diz o estudante.

O magnetismo que exerce a profissão também se deve à variedade de tarefas executadas. Durante oito meses, os peritos em formação estudam criminologia, balística, acidentes de trânsito, lingüística, análises de DNA, perícia de informática, áudio e vídeo, entre outras disciplinas.

Diferente da TV

Fernando Itri, 27, outro estudante aprovado para o curso, afirma que seriados sobre perícia criminal, como "CSI", influenciaram sua escolha. Até o ano passado, Itri era advogado. Agora, pretende ser perito de laboratório, na área de documentoscopia (que faz a análise de documentos).

Itri sabe, porém, que a realidade da profissão é muito diferente da atmosfera de trabalho quase perfeita dos seriados. No dia-a-dia dos peritos brasileiros, insegurança, salários defasados e falta de acesso à tecnologia em nada lembram o cotidiano dos heróis da TV.

Segundo Márcia Kesselring, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, o índice de desistência chega a 20%.

Em todo o Estado de São Paulo, os 910 peritos ativos tiveram que se desdobrar para cuidar, entre janeiro e abril de 2006, de 195.541 casos _uma média de 53 exames periciais por mês para cada profissional.

Um estudo realizado por peritos do Instituto de Criminalística do Distrito Federal em todo o país mostra que, para dar conta da demanda em São Paulo, seria preciso um acréscimo de pelo menos 6.400 profissionais no Estado.

Para resolver crimes de homicídio, especialidade favorita dos candidatos a "CSI" da capital paulista, o Instituto de Criminalística tem 16 peritos, que examinam casos onde a autoria do crime é conhecida.

Já no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), responsável pelos casos em que o criminoso é desconhecido, o número é menor: apenas 14 profissionais atendem a maior cidade do país. Foram os peritos do DHPP que ajudaram a descobrir que Suzane von Richthofen estava envolvida no homicídio dos pais, Manfred e Marísia, mortos a pauladas em outubro de 2002 (leia texto na página ao lado).

Mesmo com a demanda por profissionais, a freqüência de realização de concursos públicos para peritos criminais é irregular. Foram três nos últimos 12 anos.

Contudo, a SSP afirma que a quantidade de peritos no Estado é suficiente e que concursos se antecipam à demanda. Para a secretaria, avanços tecnológicos, como digitalização de dados, reduzem a necessidade de novos peritos.

Tiros na zona sul Para descobrir na prática como é a vida dos peritos, a reportagem da Folha acompanhou um plantão noturno dos profissionais do DHPP, ídolos dos estudantes. Ali, poucos materiais e muita criatividade são utilizados para analisar as evidências.

O crime estudado naquela noite de 2 de junho _um homicídio praticado com seis tiros de revólver calibre 38_ vitimou um homem dentro de um bar no Capão Redondo, zona sul da capital.

Acompanharam o perito destacado para o caso uma papiloscopista (policial que analisa impressões digitais), um fotógrafo, policiais civis e um delegado, que interrogou o dono do bar. O perito anotou as características do local e realizou a análise do corpo: cortou com uma tesoura as roupas da vítima, contou os ferimentos de entrada e saída de projéteis e verificou a provável hora da morte analisando a rigidez do cadáver.

Além de cortar vestimentas, a tesoura, que foi comprada pelo próprio profissional, serve também para verificar o caminho dos tiros dentro do corpo _as lâminas são introduzidas nos ferimentos, um a um, apontando profundidade e direcionamento do projétil.

O uso de material não fornecido pelo departamento é comum. "Já vi casos em que, até para tirar uma impressão digital, os peritos precisavam pagar pelo material do próprio bolso", diz a socióloga Julita Lemgruber, ex-ouvidora de polícia no Rio de Janeiro e atual diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Essas dificuldades levam, em casos de grande repercussão, à procura por peritos particulares. Um deles é Ricardo Molina, perito e professor da Unicamp, que realizou perícias nos casos PC Farias, Favela Naval, chacina da Candelária e outros.

Ele acredita que o problema da perícia oficial de São Paulo não é falta de profissionais ou de equipamentos, mas, sim, o grande número de crimes.

"Se não reduzirmos a criminalidade não dá: a estrutura teria que ser gigantesca", diz ele.

O fato de não ser um perito do Estado e de não estar ligado à Polícia Civil é, segundo Molina, fator que lhe confere maior credibilidade quando o processo envolve a corporação.

Um exemplo é a análise que Molina está fazendo agora das mais de 400 mortes ocorridas durante a onda de violência em São Paulo, conseqüência de ataques do PCC. O pedido veio da Condepe (Comissão Especial Independente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).

Molina vai investigar se os laudos e boletins de ocorrência da época dos ataques apontam algum padrão de irregularidade ou abuso de autoridade por parte da polícia.
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