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Novo em Folha 41ª turma
21/06/2006

Igrejas evangélicas são berço de novos músicos eruditos

Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus, de linha pentecostal, são as que mais formam instrumentistas

Assembléia incentiva fiéis a seguir carreira, enquanto doutrina da Congregação proíbe músicos profissionais de executar hinos nos cultos

DÉBORA FANTINI
DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Renato Stockler/Folha Imagem
Violinistas evangélicos da Orquestra Experimental de Repertório, no Teatro Municipal; na página ao lado, músicos em templo da Assembléia de Deus
Violinistas evangélicos da Orquestra Experimental de Repertório, no Teatro Municipal; na página ao lado, músicos em templo da Assembléia de Deus
Foi nos bancos da igreja evangélica Congregação Cristã no Brasil que o violinista Davi Graton, 30, teve as primeiras lições de música. "Comecei a tocar para servir a Deus, não pensava em seguir carreira", diz Graton, que hoje é concertino (segundo músico na hierarquia dos violinos) da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).

Como Graton, muitos integrantes de orquestras paulistas começaram a aprender música na Congregação e na Assembléia de Deus, igrejas que mais formam instrumentistas, segundo maestros e professores ouvidos pela Folha.

Louvar o Senhor é justificativa comum nas fichas de inscrição da Escola Municipal de Música. "Tem aluno que entrou sem ter ouvido Mozart, só conhecia música de igreja", afirma o diretor Henrique Autran Dourado.

Selecionado para a Academia de Música da Osesp, o violinista Lucas (nome fictício), 22, atribui seu talento à inspiração divina. "Queria tocar na igreja, mas não conseguia. Orei e aprendi em um estalo o que não consegui em meses."

Os outros dois violinistas escolhidos também são da Congregação, apesar de a doutrina vetar a profissionalização.

Segundo o documento que regulamenta a participação nas orquestras da igreja, o fiel que trabalha como músico não pode tocar nos cultos. "Aos que já estão nessa profissão, aconselhamos orar para que Deus lhes prepare um outro meio de vida", diz o texto.

"Músicos profissionais não tocam nos cultos porque ficam com o espírito transtornado", reforça um dos regentes da igreja, José, que não quis informar o sobrenome porque a Congregação proíbe exposição nos meios de comunicação.

O violinista Nadilson Gama, 40, das orquestras Jazz Sinfônica e Sinfônica Municipal, inspirou-se no primeiro músico profissional da Congregação, o violinista Mário Peotta, que tocou na Osesp nos anos 1970. Mas, diante das restrições doutrinárias, Gama preferiu não aprender a tocar na igreja.

A Assembléia de Deus, pelo contrário, apóia os fiéis. "É uma honra ter nossos músicos nas orquestras. Só é proibido tocar na noite", afirma Sérgio Emídio da Silva, 38, maestro em um templo.

Música sacra

A música foi a única expressão artística preservada pela Reforma protestante (século 16), que aboliu a representação de pessoas e animais, considerada idolatria.

Para os protestantes, a música é a arte que mais aproxima de Deus. "Sobretudo um deus que não está presente nas coisas, como o cristão", explica o sociólogo e professor da USP Antônio Flávio Pierucci, especialista em religião.

Os pentecostais _corrente protestante fundada no século 20_ "radicalizaram a autorização bíblica para musicalizar os salmos", afirma Pierucci.

Na Congregação e na Assembléia, os hinos são tão importantes quanto a pregação. Ambas têm orquestras com, pelo menos, 50 integrantes.

Para a professora de música da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Dorotéa Kerr, a musicalização natural típica do ambiente protestante explica o sucesso dos músicos. "A Reforma é o primeiro momento em que os fiéis cantam juntos". Segundo Kerr, o aprendizado informal supre as deficiências do ensino das igrejas.

Escolas dominicais Na Assembléia, no entanto, o ensino começa a se profissionalizar. Há quatro anos, uma igreja em Perus (região norte) mantém uma escola de música. Os alunos pagam mensalidade de R$ 10, e a igreja empresta os instrumentos.

Já na Congregação, ensina-se "o suficiente para louvar", afirma o regente José.

O suficiente bastou para que o violinista Kleberson Buzo, 26, fosse aprovado na seleção da Escola Municipal de Música. "Na audição, toquei a única composição que sabia, um hino religioso", conta Buzo, que toca na Orquestra Experimental de Repertório, do Teatro Municipal, onde a maioria dos violinistas tem currículo parecido com o dele: tiveram as primeiras lições em igrejas e depois estudaram em escolas públicas.

No Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, mantido pelo governo do Estado, os alunos pentecostais são numerosos. "É perceptível. Não temos dados porque o credo dos músicos não importa", afirma o diretor Arcádio Minczuk, 42.

Baseado em sua própria biografia, Minczuk, que é oboísta da Osesp, considera a música um meio de ascensão social _ o salário do músico erudito pode chegar a R$ 5.000.

"Meu pai determinou que eu aprendesse oboé, que é pouco tocado, para que fosse mais fácil conseguir emprego", conta Minczuk, que, assim como seu irmão Roberto, diretor da Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro, começou a estudar música na Assembléia de Deus Russa.
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