21/06/2006
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, 100, corre risco de despejo
DA EQUIPE DE TREINAMENTO
Comecei a tocar violino para servir a Deus, não pensava em seguir carreira
DAVI GRATON concertino da Osesp
Mais dramática do que musical. Assim pode ser descrita a situação da primeira escola de música paulistana, que neste ano completa um século sob o risco de ficar desalojada. A desapropriação do prédio do Conservatório Dramático e Musical foi determinada pela Prefeitura de São Paulo em 25 de janeiro.
Bruno Miranda/Folha Imagem |
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O violinista Davi Graton, que começou a estudar música na escola da Congregação Cristã no Brasil quando criança e hoje é concertino da Osesp, na Sala São Paulo |
Na ocasião, o então prefeito José Serra assinou um decreto de utilidade pública que cria a praça das Artes na área onde o imóvel está localizado _o trecho da avenida São João entre as ruas Conselheiro Crispiniano e Formosa (centro).
O destino da escola ainda é incerto. A Fundação Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, criada em 1976 exclusivamente para administrá-la, aguarda "informações concretas para decidir quais providências tomar".
Se o conservatório for mesmo despejado, os acordes continuarão a ecoar pela construção de 1895, que, após reformada, irá abrigar a Escola Municipal de Música, atualmente instalada em um imóvel alugado na rua Vergueiro (centro).
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem |
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Cartaz na fachada do conservatório anuncia vestibular de julho |
A Secretaria Municipal da Cultura já deu início às visitas técnicas para estimar o valor a ser pago pelo prédio e pelo acervo da biblioteca, no qual há partituras do escritor Mário de Andrade (1893-1945).
O escritor modernista, que também era musicólogo, foi aluno e professor no conservatório, que formava cerca de 2.000 músicos por ano na primeira metade do século 20.
Atualmente, 180 alunos estão matriculados nos cursos, incluindo o bacharelado. Segundo a direção, as mensalidades são a única fonte de recursos da instituição.
Intervenção
O diretor do conservatório, Júlio Navega, atribui a crise à intervenção do Estado à qual a administração da escola esteve submetida entre 1941 e 1976.
Ex-aluno, o professor e regente da Orquestra Sinfônica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Eduardo Ostergren, 63, culpa o governo militar pela crise.
"Os militares não sabiam o que fazer com as artes e as ciências humanas e priorizaram as exatas. Não respeitaram o fato de o conservatório, onde tínhamos aula de estética e história, ser tão conceituado", lamenta.
Obras Ostergren estudou na escola de 1952 a 1962. Recorda-se dos concertos no anfiteatro do conservatório, de "acústica excelente".
Hoje, o teto do anfiteatro está sem forro e as paredes estão descascando _vestígios do tempo e de uma reforma parada há mais de 20 anos.
Em 1980, a prefeitura e a fundação responsável pelo Conservatório firmaram um acordo pelo qual a administração pública bancaria o restauro e a construção de um anexo.
Em troca, algumas salas seriam usadas pelo Teatro Municipal, vizinho da escola, como depósito de cenários e figurinos de suas montagens.
O anexo, com oito andares, foi construído, mas as obras no prédio original foram interrompidas após dois anos, sob justificativa da prefeitura de falta de verba.
Apenas a fachada foi restaurada, em 2002, pelo governo do Estado. Ainda assim, a entrada principal, na avenida São João, permanece fechada.
Na rua Conselheiro Crispiniano, um mesmo portão dá acesso ao conservatório e a um depósito de lixo da prefeitura. Na bifurcação mal sinalizada, algumas pessoas se perdem.
"Muita gente que vem pela primeira vez ao conservatório se confunde e entra no depósito de lixo. É degradante. O conservatório faz parte da história da cidade, não merece uma vizinhança dessas", afirma o diretor Júlio Navega.
(DF)