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Novo em Folha 42ª turma
08/12/2006

Íntegra: Entrevista com o vereador Paulo Teixeira (PT), ex-secretário de Habitação de São Paulo

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

FOLHA - A Secretaria Municipal de Habitação disse que não vai renovar o Bolsa Aluguel. A maioria das pessoas atendidas não tem como se sustentar e não sabe o que fazer. A quem elas devem recorrer?

PAULO TEIXEIRA - O que eu sugiro é que essas pessoas procurem o Ministério Público, ou a Defensoria Pública, e exijam seus direitos. A Prefeitura de São Paulo assinou um acordo com essa população na gestão passada. Ao não renovar o Bolsa Aluguel, a prefeitura está indo para a ilegalidade. Fizemos o programa com muito esforço, foi tudo discutido com especialistas para resolver o problema de habitação. Não renovar a bolsa após esses 30 meses pode ser uma tragédia.

FOLHA - Mas o programa não se resumia apenas a pagar R$ 300 por 30 meses?

TEIXEIRA - Não, a intenção era solucionar o problema de habitação. No convênio que tínhamos com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), era prevista a construção de moradia no Bresser, no Belém, a reforma do São Vito. Aprovamos também a Carta de Crédito no Conselho Municipal de Habitação. O Bolsa Aluguel era um subsídio importante dentro da política habitacional. Os programas habitacionais no Brasil são sempre concebidos como aquisição da propriedade. O Bolsa Aluguel não; é um subsídio. A prefeitura tem que responder se essas pessoas atendidas deixaram de necessitar do benefício, se elas saíram do critério de inclusão no programa. Ao meu ver, há uma pura desarticulação do programa habitacional na cidade. A cidade está hoje sem política habitacional.

FOLHA - O Bolsa Aluguel pode ser considerado um programa assistencialista?

TEIXEIRA - Não, é um programa de habitação, inserido nas políticas públicas de habitação, para uma população de baixa renda. Todos os países do mundo têm subsídios habitacionais. Geralmente, quando você coloca o subsídio na política habitacional, ele é um subsídio colocado de uma só vez, num montante alto. O Bolsa Aluguel é colocado a prazo, num montante pequeno.

FOLHA - Mas não havia no programa mecanismos para solucionar o problema de habitação dentro do prazo. Não havia nada que aumentasse a renda das pessoas, para que elas deixassem de depender do Estado.

TEIXEIRA - É a prefeitura que está inadimplente com essas pessoas. Ela deixou de dar essas condições. Essas pessoas estão na demanda da prefeitura, e a prefeitura está tentando se livrar dessa demanda.

FOLHA - Se o Bolsa Aluguel pretendia resolver a situação das pessoas e não conseguiu, é possível afirmar que o programa foi um fracasso?

TEIXEIRA - Não, o Bolsa Aluguel não foi um fracasso. O Bolsa Aluguel é um programa bem-sucedido. O fracasso está na política habitacional da atual administração. Ela está abrindo mão de um bom instrumento. Eu acho que o resultante disso é encontrar mais gente na rua. Isso vai aumentar a população de rua na cidade de São Paulo. Quem vai deixar de receber o benefício deve procurar imediatamente o Ministério Público, que deve abrir uma ação judicial exigindo o cumprimento do Bolsa Aluguel, sua renovação e o atendimento definitivo dessas famílias. Assim como o Ministério Público, a Defensoria Pública também pode ir à Justiça exigindo o cumprimento de uma política habitacional. A atual administração entrou numa política liberal de deixar as pessoas à sua própria sorte. Num país como o nosso, essa política tem um nome: é a rua. Vai aumentar a população de rua. Isso é um despejo que a prefeitura está fazendo, abrindo mão de suas responsabilidades.

FOLHA - A atual administração diz que cumpriu os 30 meses _e vai cumprir os acordos que ainda restam_ e que, nesse tempo, as pessoas atendidas deveriam ter procurado condições para não mais depender da bolsa.

TEIXEIRA - O problema do atual secretário municipal é que ele não leu os acordos que foram feitos. O instrumental do Bolsa Aluguel tinha como objetivo resolver problemas gravíssimos de risco na cidade de São Paulo. A visão dele não se sustenta a um questionamento judicial. É por isso que estou sugerindo às pessoas irem à Justiça. É uma violência o que eles estão praticando.

FOLHA - Por que o Bolsa Aluguel veio apenas no último ano da gestão passada? Quando o programa foi aprovado, o senhor não via perigo dos contratos não serem cumpridos com a mudança de governo?

TEIXEIRA - Primeiro, a bolsa foi lançada por meio de uma lei. Foi uma lei aprovada na Câmara. Teve maioria quase que unânime. Era um programa público. Segundo: dizia respeito a situações gravíssimas de risco. Ou não havia risco no São Vito? Quem é atendido pelo Bolsa Aluguel? Ex-moradores do São Vito, do Ana Cintra, de albergues, de rua. Foi um programa maravilhoso, de qualificar a vida das pessoas para além da solução coletiva e de médio prazo. Coletiva são os albergues e de médio prazo são as construções habitacionais. O Bolsa Aluguel teve a qualidade de manter as pessoas no centro da cidade, porque elas têm a vida aqui, estão organizadas aqui. É um belo programa, tanto que muitas prefeituras estão replicando o Bolsa Aluguel. Você vê isso no Rio de Janeiro, em Osasco, no ABC, em Guarulhos, em Suzano. Tem um monte de gente replicando o Bolsa Aluguel porque muda o conceito de habitação como propriedade. Você faz um desembolso pequeno, de imediato, e dá tempo de casar com a produção habitacional, que é demorada. Eu acho trágico o que eles estão fazendo.

FOLHA - Para o secretário municipal de Habitação, é difícil para a população de baixa renda se manter no centro, pois os aluguéis são geralmente caros. O senhor concorda com essa visão?

TEIXEIRA - Primeira coisa que quero dizer: essa visão vai na contramão de todas as políticas habitacionais do mundo, que defendem que as pessoas residam onde tem infra-estrutura. O Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) tem um estudo recente demonstrando que pessoas com o mesmo nível de escolaridade que vivem em distintos lugares da mesma cidade têm condições de vida diferenciadas. Por exemplo: o pobre que vive no centro tem condições de estudar mais, tem expectativa de vida maior, tem uma alimentação melhor, os filhos vão estudar mais.

FOLHA - Mas não é mais caro para ele?

TEIXEIRA - Você precisa dar soluções habitacionais para as pessoas de baixa renda. Essa idéia do que é mais caro, é uma visão liberal, é uma visão de mercado. Para o pobre, não é mais caro, é mais barato. Por que é mais barato? Primeiro: ele não tem que pegar condução. Segundo: ele tem escolas menos lotadas do que ele teria na periferia. Ele tem mais equipamentos de saúde do que teria na periferia. Ele tem mais transporte, menor desgaste físico. Outra coisa: o custo social de uma pessoa morar longe do centro é maior. Você tem que prover transporte, tem que fazer escola onde não tem escola. Quais são os maiores índices de criminalidade na região de São Paulo? Capão Redondo, Jardim Ângela, Grajaú, Cidade Tiradentes. São os extremos, exatamente pela falta de Estado. Os menores índices de criminalidade estão no centro. Por quê? Porque essas pessoas têm trabalho perto, têm uma oferta de trabalho magnífica, não gastam para tomar condução _que está ficando mais cara_, vão a pé para o trabalho. As escolas do centro têm menos turnos do que as escolas da periferia. A qualidade de vida para o pobre no centro é melhor do que na periferia e o custo social e ambiental de morar longe _muitas vezes as pessoas vão morar na serra da Cantareira, na beira de uma manancial_ é muito maior. É um equívoco essa visão.

FOLHA - Temos um caso de uma senhora de 72 anos que ganha dois salários mínimos e vai perder a bolsa. Perguntamos ao secretário municipal que destino ela poderia ter. Ele respondeu que essa senhora poderia ser encaminhada para um albergue. O senhor considera essa a melhor solução?

TEIXEIRA - É um erro. A realidade tem demonstrado que as soluções individuais são melhores que as soluções coletivas. Na casa dessa senhora, ela tem individualidade, ela tem o seu espaço organizado. Nos espaços coletivos de albergue, você tem que conviver com pessoas de diferentes situações. Tem muita gente que prefere morar na rua do que no albergue, por conta das condições da moradia coletiva. É um equívoco dizer que a solução para esse caso é procurar um albergue. Todas as sinalizações do atual secretário remetem ao passado, não ao futuro. São visões ultrapassadas da realidade das políticas públicas.

FOLHA - O senhor considera a Carta de Crédito uma boa solução?

TEIXEIRA - A Carta de Crédito é uma boa solução. O governo municipal tem uma boa articulação com o governo estadual. A CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Estado de São Paulo) tem condições de operar esse jogo. O secretário municipal da Habitação está com a faca e o queijo na mão, mas com idéias atrasadas.

FOLHA - Muitas pessoas conseguem a Carta de Crédito, mas como o valor é baixo _e proporcional à renda_ não conseguem encontrar uma casa.

TEIXEIRA - A minha opinião é que o Bolsa Aluguel ainda é o melhor programa. Uma pessoa idosa, de dois salários mínimos. Você vai dar uma Carta de Crédito para ela comprar um imóvel. Uma Carta de Crédito custa R$ 20 mil. É muito melhor dar subsídio para o aluguel dela. Ela vai ter problema de renda, talvez o tempo de pagamento não corresponda ao tempo de vida. Se o Estado banca o subsídio para o aluguel, você dá uma tranqüilidade muito maior para a pessoa.

FOLHA - Das atuais políticas de habitação, quais delas o senhor vê como positivas?

TEIXEIRA - A política da atual administração é mera continuidade da política da administração anterior. Todas as favelas que estão sendo urbanizadas foram projetadas e contratadas pela administração anterior. É a mesma situação com todos os conjuntos habitacionais que estão sendo feitos: começaram na gestão passada. A única diferença é que, onde eles pararam os programas, eles estão errando, como no caso do Bolsa Aluguel. O que quero dizer é: o que eles estão fazendo é o que deixamos contratado, e eles estão parando programas importantes. A cidade carece de um programa habitacional adequado.

FOLHA - A integração entre governo municipal, estadual e federal é apontada como uma boa medida para o sucesso de políticas habitacionais. O fato das administrações estarem nas mãos de partidos diferentes atrapalha?

TEIXEIRA - Não atrapalha. Parte dos recursos da urbanização de favelas e dos prédios que estão sendo reformados no centro são do governo federal. É o caso do Hotel São Paulo. Foi reformado, e a parte que ainda não foi feita cabe ao governo municipal.

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