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Novo em Folha 42ª turma
05/07/2007

Diário de Bordo - Viagem à tríplice fronteira

SILAS MARTÍ
WILLIAN VIEIRA
DA EQUIPE DE TREINAMENTO

14 de junho - Chegamos ao aeroporto de Foz do Iguaçu às 3h e no táxi a caminho do hotel já começamos a entrevistar o motorista, que nos falou tudo o que ouviríamos nos próximos três dias. Do contrabando, da Receita Federal, dos árabes.

Dormimos e acordamos cedo, 7h, para preparar as entrevistas do dia. Fomos à Câmara Municipal, conversamos com três assessores de imprensa (que nos adoraram e contaram tudo sobre a política local, as disputas entre prefeito e presidente da Câmara, os problemas policiais da cidade etc.).

Assistimos à reunião do Parlamento Trinancional, em portunhol e espanhol, e depois entrevistamos uma penca de gente (presidente da Câmara de Foz, presidente da Câmara de Ciudad del Este, prefeito de Ciudad del Este, vereadores, presidente da associação dos sacoleiros).

Almoçamos com Carlos Budel, presidente da Câmara de Foz num restaurante especializado em peixes de água doce. Aprendemos tudo sobre os peixes e sobre o xadrez político-diplomático da região.

Budel falou muito sobre as tensões entre governos federais e locais, e sobre a crise diplomática entre Brasil e Paraguai devido a Itaipu e à fronteira do contrabando. Budel nos deixou no hotel, trocamos as camisas bem passadas por roupas velhas de mochileiro e fomos de táxi para a ponte pela primeira vez.

Taxistas foram fundamentais (sempre são), pois explicam tudo sobre a realidade local. Este nos ofereceu serviços para comprar um computador e receber em casa (o que identificamos como uma mudança no perfil do contrabando, como se o grosso fluxo de muamba pela ponte tivesse sido, após o aperto na aduana, substituído por algo mais trabalhoso, e mais especializado. Pronta entrega de contrabando, fantástico. Anotamos a teoria, que logo se confirmou nas galerias e nas conversas com a Receita.)

Cruzamos a ponte a pé, para ter bem a idéia do clima do contrabando mais fraco e vimos e fotografamos os sacoleiros desesperados tentando jogar a muamba pelos rasgos na cerca que protege a ponte.

Tiramos fotos com a máquina digital e quase fomos expulsos, não pelos sacoleiros, mas pela polícia paraguaia.

Do outro lado, em Ciudad del Este, as lojas já estavam fechando, eram 17h. Conversamos com lojistas, vimos algumas galerias e voltamos para o hotel de táxi paraguaio (novamente, muita informação, excelente.)

As entrevistas já estavam previamente marcadas desde São Paulo. Repassamos as entrevistas nos bloquinhos, organizamos idéias e linhas de investigação (de forma modesta, já que estávamos proibidos de assumir ares policialescos em nossa matéria), montamos uma agenda de entrevistas para os próximos dias e como nos separaríamos e dividiríamos o único celular da Folha.

Uma verdadeira estratégia de cobertura, em escala trainee.

Dormimos feito pedra, com consciência tranqüila e várias minhocas na cabeça (era visível que a nova aduana realmente tinha secado a fonte de renda da população "sacoleira", mas precisávamos de dados e entrevistas... e os dados não chegariam nunca....pensávamos também, "será que vamos conseguir falar com os contrabandistas, será que vamos à periferia, como achar fontes da comunidade para cavar boas fontes".)

15 de junho - Manhã na Receita Federal, entrevistando o delegado Gilberto Tragancin. Boa entrevista, ele explicou como funcionava o esquema, as dificuldades da PF em fazer a fiscalização, o factóide do muro e a crise diplomática.

Ao mesmo tempo, parte da equipe estava em Ciudad del Este visitando galerias e obtendo informações sobre os esquemas de atravessar mercadorias pela ponte e pelo rio.

A equipe se encontra para almoçar em Ciudad del Este no shopping Monalisa, galeria mais fina da região. Fizemos fotos do restaurante pra lá de refinado e também um serviço para a matéria de turismo.

Depois de passar a tarde rodando pelas galerias da cidade e fazendo fotos, entrevistamos o assessor de comunicação da polícia de Ciudad del Este.

O taxista que nos levou até lá não cobrou a corrida, que seria paga depois da entrevista. Julgamos que tinha problemas por lá. Outro taxista nos levou de volta ao hotel --e veio falando, falando sobre Itaipu, a maravilhosa vista noturna da usina.

Queria arrancar dinheiro dos "turistas" brasileiros, que no Paraguai parecem realmente ricos.

Jantamos em Puerto Igual um delicioso bife de chorizo, acompanhados do assessor de imprensa da Cama de Foz. Bom vinho, boa música, boa e velha Argentina com peso a R$ 0,60. Fomos a Igual para conhecer o famoso cassino homônimo.

Tiramos fotos lá dentro, fomos expulsos e voltamos ao Brasil contentes por ter visto como a aduana argentina é tranqüila e eficiente (pede documentos a todos os carros em fila, mas a fila é mínima, diferentemente da ponte da Amizade.) Voltamos às 3h, repassamos a agenda e dormimos.

16 de junho - Manhã inteira na prefeitura (gabinete do Prefeito e secretarias) e na Polícia Civil.

O prefeito não estava e não quis passar os dados, mas no fim assessora e secretário de informações institucionais acabaram sucumbindo e passando informações (que não importavam muito, afinal).

Perguntamos ao taxista onde seria melhor conseguir fontes da comunidade e ele indicou a escola do bairro mais afetado pelo desemprego.

Fomos lá no outro dia. Almoçamos num restaurante de beira de estrada na cabeceira da ponte (com vista para ela, inclusive), por R$ 5 o prato feito (bem feito).

E fomos de táxi até Porto Meira, na periferia da cidade, indicação do taxista. Lá encontramos a diretora da escola do bairro, que falou das dificuldades com a nova aduana e apresentou a faxineira, que era sacoleira.

Entrevistamos as duas e marcamos de encontrar a faxineira mais tarde. Rodamos pelo centro de Foz, entrevistamos donos de lojas de roupa usada e comerciantes em geral. Voltamos a Porto Meira às 19h.

A faxineira, que era um amor de pessoa, nos apresentou pessoas da comunidade que, como ela, viviam do contrabando e que enfrentavam dificuldades. Ela caminhou conosco pelo bairro, de casa em casa, apresentando famílias em dificuldades.

Fizemos excelentes entrevistas, fotos e voltamos para o hotel.

Fizemos uma última lista do que faltava fazer, organizamos as coisas para a volta a São Paulo e encontramos Jordan, taxista paraguaio que servira de guia para artistas da Bienal.

Ele nos mostrou Ciudad del Este à noite, alguns bairros onde os atravessadores despachavam muamba e drogas pelo rio.

Não chegamos a descer o barranco porque era perigoso. Mas rodamos pela cidade, paramos em um boteco, falamos com as pessoas.

E comemos empanadas de R$ 0,30 e bebemos cerveja de 1 litro, enquanto a conversa com Jordan desvelava muito sobre o Paraguai (as duas línguas obrigatórias na escola, a moeda, as pessoas, o imperialismo...) Dormimos feito pedra de novo.

17 de junho - Sábado, passamos o dia entre um e outro lado da ponte. No lado brasileiro, fomos a hotéis que servem de depósito de muamba, em restaurantes com movimento fraco, e nos guarda-volumes vazios.

Em Ciudad del Este, passamos de galeria em galeria entrevistando donos para compreender o esquema de atravessadores e também fazendo a sugestão de pauta para turismo (cinco sacolas de compras no Paraguai com US$ 300). De volta a São Paulo, fim da deliciosa reportagem in loco e início da edição e fechamento.

18-29 de junho - Nossa odisséia em busca de dados durou todo esse período. Tivemos problemas com as polícias civil, militar, paraguaia, com a prefeitura --na região ninguém queria fornecer dado algum, ou porque não tinha ou porque não queria.

Achamos que em cada caso foi uma das duas opções.

A edição do material ocorreu tranqüila (tirando os dados oficiais, todo o resto havia sido bem apurado, até à exaustão). Trabalhamos bem juntos, ainda que discordemos em termos de estilo de texto e importância das informações.

O consenso final, porém, é sempre bom.

O fechamento também se deu sem problemas. No último dia, felicidade pelo caderno pronto em mãos; tristeza, porém, pela frustração em ver a matéria que viraria abre de mundo no sábado cair de forma radical, ainda que pelo fato de ser tão boa que virou notícia e entrou em dinheiro, feita por outro repórter.

E pelo fim do treinamento que, apesar de ter arrancado cada gota de sangue nos últimos três meses, trouxe uma experiência ímpar de reportagem e redação, permitiu conhecer excelentes amigos e deixou um gosto de saudade.

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