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Novo em Folha 42ª turma
05/07/2007

Diário de bordo - O parto de uma pauta final

VERIDIANA SEDEH
DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Minha pauta final mudou muitas vezes. Primeiro, minha matéria seria sobre a política de segurança pública no governo de Sérgio Cabral - a opção pela ocupação das favelas, valorizando o combate ao tráfico em detrimento da vida de civis.

Pré-apurei por umas três semanas visando lapidar a pauta. No domingo anterior à reunião de pautas finais, li na Folha e no Estado ótimas matérias sobre a questão. Desanimei, senti que a minha seria só mais uma e que dificilmente descobriria algo original. Ao chegar no treinamento na segunda, a Ana tinha uma visão parecida e me aconselhou a buscar uma nova pauta.

Com várias entrevistas e um banco de dados jogados no lixo, voltava à estaca zero e não tinha uma segunda opção. Em uma conversa, um amigo jornalista a quem respeito muito profissionalmente me sugeriu fazer algo sobre a crescente participação do capital estrangeiro na produção de etanol. Voltei a ficar entusiasmada e, no dia seguinte, comecei a pesquisar sobre o tema e ouvir fontes a respeito.

Uma delas me disse que faltavam profissionais para assumir os cargos mais altos nas usinas de cana-de-açúcar. Senti que voltava a ter uma pauta. Minha alegria não durou muito. Um entrevistado me disse que duas semanas antes ele tinha sido procurado por um repórter da Exame com uma pauta idêntica à minha. Me senti sacaneada. Não tinha como competir, eles estavam muito a frente e eram muito mais especializados.

Me faltou coragem de dizer para a Ana no dia, não queria contar para ela até ter um plano B encaminhado. Encontrei umas amigas naquela mesma noite e, num dado momento, fiz um apelo para que me contassem algo interessante sobre o trabalho delas e que fosse pouco conhecido.

Por sorte, uma delas que trabalha em uma espécie de ONG (nunca entendi bem ao certo do que se tratava, mas sabia que ela tinha morado um ano no Amapá desenvolvendo projetos com comunidades quilombolas e que podia ter algo diferente para contar) me disse que em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, uma ONG, o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) tinha um projeto muito legal na área de educação, que envolvia forte mobilização da comunidade e que muitas instituições estavam lá fazendo um trabalho em conjunto. Senti que poderia sair algo interessante. Fui mais cedo para o treinamento pesquisar sobre a ONG e liguei para o presidente dela para conhecer melhor o trabalho. Descobri que estava para ser inaugurado o primeiro cinema da cidade e que ele estava sendo construído com dinheiro de um coral, formado pela ONG.

Contei a Ana, a história da Exame e, para minha surpresa, ela disse que não havia problema, que o veículo não era nosso concorrente. Disse a ela que não esperava ouvir aquilo e, por isso, tinha bolado um plano B e me apaixonado por ele. Ela se entusiasmou com minha pauta e me mandou para Araçuaí (MG). Agora eu conto como foi a partir do dia que cheguei na cidade.

Segunda, 18

Depois de passar a madrugada viajando de ônibus e acordando com as paradas e com frio provocado pelo ar condicionado, cheguei a Araçuaí por volta das 7h da manhã. Notei que os dois celulares (um meu e outro do jornal) que carregava não pegam - era uma constatação de que a região não era de cobertura nem da Vivo nem da Tim.

Estava bastante cansada e confesso que minha maior vontade ao deixar minhas coisas no quarto era dar uma descansada. Mas a pressão interna era forte. Assim, depois de tomar café, fui de táxi até a sede da ONG Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Antes, conversando com o gerente da pousada, soube que uma equipe do Fantástico tinha estado na cidade filmando os meninos do coral.

Era demais, parecia perseguição. Só pensei na Ana me matando e em toda minha viagem indo por água abaixo. Respirei fundo,

No CPCD, cada coordenadora me contou sobre o projeto que tomavam conta e a gente montou um cronograma para visitar cada um deles. Disse que eu precisava ter umas janelas para falar com o prefeito e descobrir outras facetas da cidade. Também pedi indicação de personagens, crianças do coral e mães cuidadoras (pessoas da comunidade que participavam dos projetos da ONG) que se destacassem. Em um dado momento, perguntei sobre a equipe do Fantástico, quis saber tudo que eles tinham filmado, quem era o repórter e quando a matéria iria ao ar. Para minha alegria, elas me contaram que a Globo filmou o ensaio deles e queria acompanhar a apresentação de lançamento do CD, que seria no dia 30. Ufa, o dia em que o caderno seria publicado.

À tarde, mais tranqüila, fui às fabriquetas, oficinas profissionalizantes que trabalham com marcenaria, serralheria, tecido, bambu. Lá, entrevistei cinco jovens que participavam do coral e das fabriquetas, Como estava sozinha, combinei de voltar com o fotógrafo em outro dia.

De volta à pousada, tive mais um susto. O mesmo gerente, muito simpático por sinal, me contou que tinham saído umas matérias nos jornais da região acusando o CPCD de desviar recursos do cinema.

De novo, meu mundo parecia ruir. Pensei: poxa, desvio no cinema? Minha matéria vai se inverter totalmente e virar uma denúncia da ONG? Também me preocupou o tempo que teria para isso, minha agenda estava praticamente toda preenchida, mal conseguia reservar espaço para fazer tudo que eu queria.

Para manhã seguinte, tinha combinado de encontrar uma coordenadora do CPCD às 7h da manhã e ir a uma comunidade rural, mas, dependia da chegado do fotógrafo antes disso.

Liguei para o Bruno para saber que horas ele chegava: só ao meio dia. Ele estava super tranqüilo, achando que a gente tinha muito tempo. "estou acostumado a fazer tudo num dia só. Em dois dias e meio dá para fazer muita coisa". Nervosa, me apeguei àquele depoimento e acabei me tranqüilizando.

Desmarquei com as meninas e peguei com o Pó, o gerente da pousada, o contato do jornalista que tinha feito as matérias. Liguei para ele e combinei de encontrá-lo às 8h na redação do jornal Gazeta de Araçuaí. Ele prometeu me mostrar uns relatórios.

Terça, 19

O despertador tocou às 6h45. Já tinham me falado e eu estava comprovando: em viagem se trabalha muito mais, da hora que acorda a que vai dormir, e você acorda muito mais cedo.

Depois de me arrumar, li a versão online do jornal na varandinha. Isso foi uma coisa ótima: levar laptop e poder contar com a rede wireless da pousada em pleno Vale do Jequitinhonha, onde nem a Vivo chega.

Para minha surpresa, conheci Sérgio Vasconcelos, o jornalista, no café da manhã, coisas que de cidade pequena. Ele trazia a última matéria que publicara sobre o CPCD. O texto contava que a prefeitura tinha enviado um parecer para o Ministério Público e apontava irregularidades na prestação de contas do projeto de educação desenvolvido até 2005 pela ONG e financiado pela Petrobras, com o intermédio da prefeitura.

Fui com Sérgio à redação do jornal, se é que se pode chamar assim. Uma porta de metal, dessas de comércio, dificultava nossa entrada no jornal. Lá dentro, só vi uma mesa de jantar, um sofá, uma TV e exemplares da Gazeta de Araçuaí pelo chão. Não vi nenhum computador.

Lá, o jornalista me mostrou o parecer enviado pela prefeitura ao MP e outra matéria que ele tinha escrito em 2005 sobre o assunto. Para minha sorte, ele ia encontrar o promotor do caso naquele dia e disse que eu poderia ir junto. Precisava fazer algumas ligações para solicitar dados e marcar entrevistas. Acabei usando o telefone dele, já que estava sem celular.

Perguntei a ele onde eu poderia encontrar uma lista confiável sobre os municípios do Vale, liguei num telefone que me recomedou, mas a pessoa que me atendeu queria passar os dados por fax, e ali não tinha. Sugeri de pegar pessoalmente. Lá, por sorte, encontramos a diretora do departamento de cultura. Entrevistei-a ali mesmo sobre sua posição a respeito da construção do cinema e da atuação do CPCD na cidade. Dali, Sérgio quis me levar ao lugar onde o cinema estava sendo construído, que eu ainda não conhecia. Lá tive a oportunidade de concer uma personagem incrível, a dona Maria Cheirosa, a prostituta mais antiga da cidade. Percebi que podia contar a história de Araçuaí a partir dela.

De volta à Redação, entrei em contato com a prefeitura, mas a ligação caía. Resolvi ir até lá. Para minha sorte, ela ficava ao lado do escritório do CPCD, que, por sua vez, era na frente da prefeitura. E precisava passar nos dois lugares.

Na sede do governo municipal, fui informada de que o prefeito tinha ido viajar e não tinha prazo para voltar, mas que eu poderia falar com secretária municipal de desenvolvimento social e também presidente do Conselho Municipal do Direito da Crianças e do Adolescente - a responsável pelo parecer enviado ao MP.

Conversei com a secretária Maria Helena antes do almoço e, depois de comer, fui ao encontro do promotor. Ele me explicou que no parecer não havia indícios de desvio de verbas e disse que o MP não investigaria o caso.Dei-o por encerrado.

À tarde, conheci outro projeto do CPCD e entrevistei umas crianças do coral.

Quarta, 20

Mais uma vez o dia começou cedo. Fui por volta das 7h ao mercado municipal, porque tinham me dito que quarta-feira tinha uma feira interessante. Na verdade, sabia que o forte era sábado, mas quis conferir antes de ir para uma comunidade rural, onde o CPCD desenvolve um projeto com gestantes e crianças de até seis anos. Na feira de quarta não tinha mesmo nada.

Conversando com as mulheres da comunidade ligadas ao projeto, percebi que quase todas tinham marido, irmão ou filhos que passavam cerca de oito meses por ano longe de casa, trabalhando no corte de cana. Colhi vários depoimentos. Lá nesse lugar também soube que uma americana, Emma, tirava fotos dos pais para que as crianças não se esquecessem deles - o que é comum, dado o tempo que ficam longe e a idade dos meninos e meninas - e gravava em CD suas vozes. Peguei o telefone da americana com a coordenadora do projeto.

De volta à cidade, fizemos fotos do coral no cinema e eu aproveitei para tirar umas dúvidas como a dona Maria Cheirosa, que morava lá perto. Já no hotel, consegui falar com Emma e marquei de encontrá-la naquela noite mesmo num bar da cidade para que ela me falasse sobre o trabalho feito com as famílias.

Quinta, 21

Pela manhã, fui conhecer um sítio recuperado com técnicas de permacultura (agricultura que respeita o meio ambiente) e que servirá como escola de agricultores da região. Trata-se, na verdade, de mais um projeto do CPCD - o Caminho das Águas.

Depois do almoço, já na cidade, fui ao Sistema Nacional de Emprego em busca de estatísticas sobre os homens de Araçuaí que deixavam a cidade todos os anos para cortar cana. Em seguida, fui com o fotógrafo às fabriquetas para que ele fizesse fotos das oficinas. E de lá fomos à casa de dona Zefa, umas das mais reconhecidas artesãs do Vale.

Entrevistar a senhora de 82 anos foi uma difícil tarefa. Ela mesma se definia como uma contadora de histórias e dizia ser isso uma das coisas que mais gostava de fazer. Ao perguntar sobre como aprendeu a esculpir em madeira, ela falava da época de lampião, da finada Joaquina que ficou entrevada depois que os pais não a deixaram casar com o coronel que amava, do tutano de boi que já não fazia mais tão bem como os do gado de antigamente, além de dar receitas com ervas medicinais para reumatismo, dor de cabeça - tudo, menos a resposta. As histórias dela eram muito interessantes, mas tínhamos que sair de Araçuaí ainda de dia, em função da péssima condição da estrada que levava a Montes Claros, onde pegaríamos o avião no dia seguinte.

Depois de muito esforço, ela respondeu a algumas, mas desde o começo sabia que não teria muito como encaixar um perfil dela no caderno, mas foi uma das pessoas que mais gostei de conhecer na cidade.

Sexta, 22

Depois de passar a noite vomitando por um peixe que eu e o fotógrafo tínhamos comido na noite anterior (ele também passou muito mal), peguei um avião para BH e outro para São Paulo. Apesar do caos aéreo, chegamos rápido, mas tava imprestável para escrever e era o dia de entregar os textos. A Ana me deixou entregá-los na segunda.

Sábado, 23, e Domingo, 24

Fiquei rascunhando meus textos e me recuperando da intoxicação alimentar e da dor de garganta, que tinha piorado.

Segunda, 25

Dia de escrever no Treinamento

Terça, 26

Depois de cortar mais de cem linhas da minha sub e algumas tantas do meu abre, a Ana decidiu que elas trocariam de lugar. Ao invés do cinema, minha matéria principal virou o drama das famílias cujos homens passavam oito meses por ano longe de suas casas, trabalhando no corte de cana. Isso deu início a uma gincana atrás das fotos feitas pela americana. Depois de pedir a Emma fotos em alta resolução, ela me informou que a internet era muito lenta, e que ela estava indo para uma comunidade rural, onde não pegava celular e de onde só voltaria na sexta-feira, um dia depois do nosso fechamento. Depois disso, só dava caixa postal.

Com o CPCD, consegui o número de dois orelhões da comunidade em que me falaram que Emma estava. Depois de muito esforço para entender e ser entendida, soube com alguém de lá que ela deveria estar no Schnoor, comunidade vizinha e que eu tinha visitado. Por sorte, quando estive lá, anotei o telefone de uma mulher, Rosa. Liguei e com a sogra dela, peguei o número de um orelhão próximo de onde Emma e o pessoal d da ONG estavam reunidos. Por sorte, a americana tinha um pen drive na bolsa e uma coordenadora do projeto estava voltando para Araçuaí. Combinei de ela me mandar as fotos no dia seguinte. Em vão, as imagens tinham a mesma resolução das que Emma já tinha me enviado, mas elas tinham um tamanho suficiente para serem publicadas.

Quarta, 27

Fechamento

Quinta, 28

Preparativos finais para mandar o caderno à gráfica

Sexta, 29

Dia de pegar nosso produto final na mão

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