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Novo em Folha 44ª turma
13/12/2007

Entrevista com Pedro Taddei: Patrimônio histórico é recriado, diz arquiteto

DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Pedro Taddei é professor da FAU-USP e foi o responsável pelo programa Monumenta, uma parceria entre Ministério da Cultura, Unesco e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, para a preservação do patrimônio histórico.

Em entrevista à Folha, o arquiteto fala sobre a política de preservação do patrimônio e defende a tese de que toda construção é de interesse público, seja ou não tombada.

"Não há imóvel que não tenha interesse público. Todos têm, porque todos participam de um conjunto."

Veja trechos da entrevista.

FOLHA - Ter um prédio tombado é interessante para o proprietário?
PEDRO TADDEI - Temos que pensar que um edifício histórico é mais caro para se conservar porque é inadequado aos usos contemporâneos. Todo mundo quer um ar-condicionado. O que foi utilitário em outras épocas, não é hoje. Ao contrário do que se imagina, os edifícios históricos são muito vulneráveis, muito mais do que os edifícios de concreto. Um edifício de taipa de pilão, por mais espessa que seja a parede, era feito com telhas artesanais produzidas nas coxas dos oleiros, ou seja, telhas irregulares. O madeirame era feito com toras, porque não existia serraria mecânica. A telha irregular absorve mais água, sobrecarrega o madeirame e abre espaço para infiltração de água por cima da taipa de pilão, onde ela não é protegida. Qualquer infiltração faz com que a taipa esfarele e se transforme em massa. Quer dizer, uma parede de taipa de pilão não protegida pode se desfazer em um ano, seis meses. Quando se percebe, o imóvel cai. Por que não caiu durante séculos? Porque as pessoas usavam. Porque viam infiltração e logo trocavam telhas, faziam um madeirame. Acho que parte da beleza do patrimônio histórico está ligada a esse caráter de improviso. Um dos teoremas do patrimônio histórico é que o uso conserva o edifício. Um edifício ocioso está sempre exposto ao risco.

FOLHA - E a questão do interesse público dos bens tombados?
TADDEI - Toda edificação é de interesse público. De alguma maneira eu crio sombra, tiro a ventilação ou embelezo a paisagem do vizinho ou do transeunte. Então, não há imóvel que não tenha interesse público. Todos têm, porque todos participam de um conjunto. Pensar que aquilo que é patrimônio tem que ser tratado como uma exceção é errôneo, inclusive porque patrimônio histórico é recriado.

FOLHA - Como funciona a política de tombamento. Em que medida trata-se de uma escolha política?
TADDEI - Quando cheguei a Brasília, pedi um levantamento e vi que tínhamos 500 igrejas católicas tombadas, mais nada. Aí fomos atrás e tombamos vários terrenos de camdomblés, igrejas luteranas, o cemitério luterano de Joinville. Tenho uma noção de que a nacionalidade é feita de contribuições sucessivas, que vão se tecendo e se misturando, recriando a idéia de identidade nacional. É errôneo achar que só portugueses e índios fizeram o Brasil. A contribuição dos coreanos para a área da Luz, por exemplo, é impressionante. Como falei anteriormente, o patrimônio é dinâmico e a noção de patrimônio se modifica, por isso a seleção do que é ou não patrimônio é política, política no sentido de que é pública e que tem que passar por canais de legislação.

Mas evidentemente o critério desses bens não podem se restringir aos critérios dos parlamentos. Eles não têm esse preparo. É preciso uma assessoria técnica, com comissões especializadas, que têm que ser representativa também. Não podem representar interesses particularizados, sejam eles quais forem.

FOLHA -A legislação sobre o patrimônio é suficiente?
TADDEI - A legislação de patrimônio histórico no Brasil é um horror, é do arco da velha, um decreto-lei da época da ditadura de Getúlio Vargas. Ainda que tenha seus valores, é extremamente sucinto e ultrapassado. Os sistemas estaduais foram criados inspirados no IPHAN, quando o país sentiu que seria impraticável que o governo federal fiscalizasse tudo, mas é desigual de estado para estado. Depois disso, vieram as legislações municipais. Tudo isso virou uma bagunça e acarretou superposições.

FOLHA -Qual seria a solução?
TADDEI - Acho que o caminho é a revisão da legislação do patrimônio histórico, que deve passar por um sistema de natureza flexível, que reconheça a convivência das três esferas de governo e que busquem todos o mesmo objetivo. Quem está mais perto, o município, deve ser mais executor, quem está mais longe, a federação, deve ser mais inspetor, quem está no meio, o Estado, deve ser fiscal e, finalmente, existe um conjunto de bens mais triviais que fazem sentidos só enquanto conjuntos. Sobre eles, o município é que deve opinar. Numa esfera nacional, deve se rever a questão da identidade nacional, quer dizer, quais os bens que participam da construção permanente da identidade da nação, além daqueles que são símbolos.

FOLHA - Qual a avaliação do senhor sobre o Condephaat?
TADDEI - O problema é que ele ficou num limbo que o desestimulou muito. Quando ele foi criado, foi muito vigoroso. Tombou a Serra do Japi, a Serra do Mar antes de serem transformados em unidades de conservação tombou os Jardins e sua pluviometria e arborização. Ou seja, foram atos importantes e paradigmáticos para se criar uma cultura do patrimônio. Mas ficou no limbo, porque a atribuição de cuidar de bairros como os Jardins passou para o Conpresp. A esfera federal, principalmente com as leis de incentivo à cultura, passou a ter uma presença mais forte nos Estados, sobretudo São Paulo e Rio, porque quem escolhe onde aplicar os recursos é o patrocinador. E a grande visibilidade está nesses lugares. O IPHAN é o principal fiscalizador dos recursos da Lei Rouanet e passou a ter uma presença tão preponderante que os órgãos estaduais, de um lado, perderam a identidade; de outro, a motivação.

FOLHA -Os funcionários perderam a motivação?
TADDEI - Funcionários desses órgãos têm que ter uma benevolência, porque ganham pouco, têm uma erudição fora do normal. Eu comparo a atuação nos órgãos de patrimônio histórico como um pronto-socorro na carreira de um médico. Nenhum médico agüenta a vida toda atuando num pronto-socorro porque ou o paciente morre na mão dele, ou quando o paciente fica bem, passa para a enfermaria e ele não atende mais. Não tem gratificação nenhuma. É preciso rever o sistema, ter reciclagem. Premiar os funcionários-padrão com bolsas no exterior, com atuação em órgãos de urbanização, como a EMURB, por exemplo.

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