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Novo em Folha 44ª turma
13/12/2007

Veja a íntegra da entrevista com o arquiteto Carlos Lemos

DA EDITORIA DE TREINAMENTO

FOLHA - Qual a avaliação do senhor sobre a política de preservação patrimonial existente no país?
CARLOS LEMOS - Hoje em dia não existe uma política nacional. Lúcio Costa, que dirigia as superintendências do Iphan do Rio de Janeiro todas, comandava com muita autoridade. Nesse tempo, a gente até podia dizer que havia. Lúcio Costa mais Rodrigo Melo Franco de Andrade,era uma dupla de muita autoridade, e respeito. Mas depois que ambos saíram, faleceram, aí não houve mais continuidade de administração. Com isso as pessoas passaram a serem descartáveis lá dentro. Começaram a surgir vários diretores. Uns bons, outros inoperantes. Ninguém ruim, mas gente sem autoridade, sobretudo.

FOLHA -Então não existe um projeto nacional?
LEMOS - O que havia com o Rodrigo e com o Lúcio Costa desapareceu. O Iphan deixou de ter política preservacionista, é composto de ilhas que são superintendências. A de São Paulo, por exemplo, é super atuante. Tem gente capacitada. Não vou falar dos outros porque não conheço. Hoje em dia está bem dirigido, arrumadinho. Mas, em sã consciência, a gente realmente não pode dizer que o Iphan de hoje tem um pensamento comum no Brasil inteiro. Não tem.

FOLHA -Essa necessidade de conservar para preservar não pode levar ao congelamento da história?
LEMOS - A Unesco é quem gere internacionalmente os procedimentos a respeito de proteção de bens culturais, que começou a ser definido através da chamada Carta de Veneza, de 1964. A carta, em certo momento, fala que os tomadores de conta do patrimônio, as entidades que vão gerir a classificação, a permanência e a durabilidade desses bens, têm que olhar o meio cultural, o meio arquitetônico e verificar o que aconteceu com ele durante sua existência. E respeitar todas as intervenções que aconteceram ao longo da vida desse bem. Expulgar, demolir, só aderências que sejam aviltantes, de mau gosto, que venha realmente prejudicar o monumento.

FOLHA -Então ela permite intervenções para que o bem seja adaptado às necessidades atuais...
LEMOS - Sim, mas muita gente achava, e ainda acha, que tem que limpar completamente, que tem que deixar o bem cultural como ele era no dia do nascimento. Então você vê em Portugal, por exemplo, onde vigorava esse pensamento durante muitos anos, igrejas românicas, que receberam ao longo do tempo púlpitos barrocos, grande retábulos madeiristas, pratenescos, tiraram tudo isso para deixar a pedra nua. Porque aquilo era expúrio, aquilo não era original. Então, se a carta de Veneza aceita adendos durante a existência do bem cultural, tem, necessariamente, que aceitar adendos pós-tombamento. Para o monumento continuar com sua história.

FOLHA -Para não ser um prédio que parou no tempo.
LEMOS - Exatamente.

FOLHA -Como saber se alguma coisa que é acrescentada depois não descaracteriza, como o ar-condicionado, por exemplo?
LEMOS - Cada caso é um caso. Por exemplo, o Luís Saia tomando conta do Iphan de São Paulo, sendo discípulo de Lúcio Costa, pegava casas modernistas, restaurava na íntegra, como ela foi, depois não deixava fazer nada dentro. E tem gente que segue isso até hoje. Vocês não imaginam as brigas de bastidores incríveis que aconteceram durante as discussões sobre o que fazer com a Estação da Luz. Foram brigas de foice. Quase que houve assassinatos [permanece com o semblante sereno, sem sorrir], em relação ao museu da Língua Portuguesa.

FOLHA -Qual a avaliação do senhor? A decisão de construir o museu foi acertada?
LEMOS - Acertada. Eu precisamente acho que a carta de Veneza permite intervenções nos monumentos no pós-tombamento. Contanto que o monumento não se avilte, não se transforme, não perca sua importância e continue a ser o que sempre foi. O que esse meu pensamento exige que seja feito? Respeito total à volumetria. Porque ela é a base, é que faz a compreensão do monumento. É o que justificou o tombamento. Ela expressa a intenção plástica do arquiteto. E inclui cores, texturas, tudo originais. Agora, dentro têm que ser conservados os espaços definidores do programa original.

FOLHA -O senhor concorda com a premissa: a melhor maneira de preservar é usar?
LEMOS - É usando. Claro. É justamente o que eu defendo. Para usar você tem que alterar. Por exemplo, a casa do Tatuapé, a casa do Bandeirante, no Butantã. A casa do sertanista, do Caxingui. Todas foram residências. Você consegue morar numa casa sem banheiro? Sem cozinha? Não consegue [à época, esse tipo de construção não tinha banheiro nem cozinha].E tem que usar. Ah, não, então usa como centro cultural. Tudo sempre cai no centro cultural. Ninguém sabe definir bem o que é.

FOLHA -O tombamento é um ônus ou bônus para o proprietário?
LEMOS - É sempre um ônus, mas um ônus relativo. Pode vender se quiser. Não pode é demolir. Pode fazer o uso que quiser. Pode pedir licença para fazer reformas, para adaptar para novos programas. E a Prefeitura de São Paulo permite a transferência do direito de construir de um terreno para o outro.

FOLHA -Na Europa os proprietários de bem tombados conseguem lucrar com a preservação.
LEMOS - Na Europa é diferente porque as pessoas já nascem conformadas com o tombamento porque o pai já foi tombado, o avô já foi tombado. O que lá se faz muito é preservar a volumetria e dentro ir adaptando às condições modernas. Então não há um ônus, porque já desde o começo foi restrito o uso. Por exemplo, no Jardim América, no Pacaembu, sempre foi proibido fazer apartamento. Então que é dono sabe que nunca vai poder vender sua casa para fazer apartamento. Então estão absolutamente conformados.

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