16/12/2007
Igreja Nossa Senhora do Rosário: outras histórias
LUCAS FERRAZ
TANIELE RUI
DA EQUIPE DE TREINAMENO
A Nossa Senhora do Rosário, situada na Penha, zona leste de São Paulo, é uma igreja peculiar em vários aspectos. Tombada pelo Condephaat em 1982, ela foi construída por escravos, no século 18, voltada para a periferia, de costas para o centro da cidade. A igreja não é a morada apenas do Senhor: abriga também nove "irmãs" e quatro "filhas".
As irmãs pertencem à comunidade missionária "O Caminho", instituição criada há seis anos pelo padre Gilson Sobreiro, que estima atender cinco mil pessoas em todo o país, de dependentes químicos a moradores de rua. Alguns dos atendidos, sem família ou sem amparo, passam a morar com os missionários e a serem designados "filhos prediletos".
Na casa-igreja, as quatro filhas Cleusa, Maria, Gi e Odete dormem num quarto anexo à igreja. Todas têm suas próprias camas. Já as irmãs precisam, toda noite, arredar cuidadosamente os bancos da pequena capela e estender seus finos colchões. Pela manhã, refazem o trabalho noturno e já aproveitam para limpar a igreja.
Além de cuidar do patrimônio está em preparação uma nova pintura interna, para o Natal, é servido ali um café da manhã que alimenta diariamente aproximadamente 50 pessoas, moradores de rua da região.
"Vivemos com os pobres, para os pobres e como os pobres", diz Natália Kelly, 21, rebatizada há quase quatro anos como irmã Chiara do Angélico Louvor. Nascida em Santa Fé, no Pará, ela está em São Paulo há três anos e atualmente coordena a casa.
Deixou no Norte toda a família e um namorado de quatro anos, com quem pensava em se casar até resolver seguir a vocação religiosa.
As "filhas"
A história de Maria Piovesan, 56, é um triste exemplo do passado das quatro filhas que moram na igreja. Maria, que vive com as irmãs há três anos, foi encontrada na rua, muito machucada e magra. "Havia vários buracos na cabeça. Dava para ver até a massa encefálica", conta irmã Chiara, que desconhece o motivo dos ferimentos.
Recusada pelos médicos, Maria foi levada para a casa das irmãs, que cuidaram dela por semanas. Para tirar os bichos que da cabeça, usaram toucinho. "Colocamos um pedaço no local. O cheiro atraía os bichos, aqueles de lixo, e íamos tirando com pinça, um a um." Além da terapêutica, oravam por Maria, que ainda assim ficou seqüelada, com um distúrbio mental.
Entrega
As irmãs, todas jovens, têm os cabelos cortados à máquina, bastante curtos, forma "de se entregar radicalmente a Deus, desprendendo da vaidade e da beleza".
As 13 estão na casa há sete meses, mas há quatro anos irmãs desta comunidade se revezam. Seguem na missão, enquanto outras vêm. Assim, o local está sempre cuidado.
Cada grupo de moradores faz alguma reforma. "Nós pintamos as paredes e trocamos as luzes. Era também uma forma de colocar a mão na massa e sentir que estávamos num lugar nosso", diz Chiara.