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Novo em Folha 45ª turma
04/08/2008

Serra do Navio respira nostalgia, riqueza e miséria

DO ENVIADO ESPECIAL A SERRA DO NAVIO (AP)

Demora-se 35 minutos para cruzar Serra do Navio de uma ponta à outra, a pé. Em uma extremidade, uma favela começa a dar sinais de vida, com barracos de madeira e alvenaria. Já ganhou o apelido de Portelinha, como na novela. Do outro lado, em restaurante inaugurado há três meses para atender a elite das novas mineradoras, ao custo de R$ 39 é possível comer um prato com quatro medalhões de filé mignon ao vinho.
Maria da Conceição do Carmo, 44, faz parte da Serra do Navio miserável. Mora com duas filhas, um genro e cinco netos em um barraco improvisado de 15 metros quadrados na área onde funcionava a churrasqueira da área de lazer da cidade. A dois metros de sua casa, uma quadra de futebol, que serve como pátio para deixar as roupas secando. Ao lado, uma piscina com trampolim, escorregador e uma poça de cor indefinível, entre o verde e o marrom.
Hoje, são relíquias de uma época que ela conheceu e freqüentou, quando ainda morava em uma casa na Vila Operária com o ex-marido, que prestava serviços para a Icomi. Aproveitando a época fantasma da cidade, ocupou a churrasqueira depois da separação.

Breno Costa/Folha Imagem
Lago Azul, própria para banho, que foi formada pela extração de manganês
Lago Azul, própria para banho, que foi formada pela extração de manganês

O hospital da cidade também deixa saudades em quem viveu o auge do manganês. Até neurocirurgia era feita ali. Chegou a ser referência no norte do país. Hoje, diz José Alves dos Santos, dono da maior das duas farmácias da cidade, é preciso que o paciente leve uma seringa para tomar uma injeção.
No plantão, o hospital fica vazio. Como celular não funciona na cidade e a comunicação por telefone fixo é habituada a panes, quem quiser ser consultado já sabe onde procurar um dos três médicos com a missão de atender a população de 3.772 habitantes. Ele fica de papo na padaria da cidade, de chinelo, bermuda e regata, mantendo o hábito dos domingos no Méier, bairro na zona norte do Rio de Janeiro, de onde veio no ano passado.
O responsável pela padaria, José Laércio Oliveira, 55, espera apenas as filhas de 24 e 27 anos se acertarem em suas carreiras de nutricionista e advogada para se mudar da cidade. Na noite anterior, ele ouvira um tiro na praça central da cidade, ao lado do estabelecimento (segundo o responsável pelo destacamento policial de Serra do Navio, o disparo não acertou o "bandido", que atacara "a guarnição com um pedaço de pau").
A decepção de Laércio com a cidade é grande, mas sua maior frustração foi nunca ter sido convocado para a lateral-direita do Manganês Esporte Clube, uma espécie de seleção local, onde só jogavam os craques dos cinco times da fábrica.
As partidas do MEC, como é conhecido na cidade, aconteciam com casa cheia, refletores potentes. No local, em vez de torcida, é o mato que ocupa as arquibancadas. E os holofotes são apenas enfeite. "Precisou de cinco prefeitos para acabarem com Serra do Navio."
Outra lembrança de Laércio é o toque de recolher imposto pela Icomi, uma das principais críticas feitas ao regime de segurança da empresa. Às 21h45, religiosamente, um vigilante da Icomi sacudia um sininho ao lado da mesa onde alguns trabalhadores jogavam dominó. Davam de ombros. Às 22h, mais uma agitada no sino. Se não houvesse reação, as pedrinhas do jogo eram recolhidas.

Breno Costa/Folha Imagem
Piscina abandonada do antigo complexo de lazer do município
Piscina abandonada do antigo complexo de lazer do município

Com o recolhimento imposto às 22h, à exceção do fim de semana, a paquera na cidade não era tarefa simples. Hoje, Serra do Navio tem como point noturno, além da praça, o mesmo MEC, onde antes Laércio e companhia jogavam dominó. Homem paga R$ 5; mulher entra de graça.
"Conheça Serra do Navio antes que ela acabe", é o recado dado a um fiel logo após a última missa de domingo pelo padre Álvaro, 63, pároco da cidade, professor de geografia, história e ex-militar. (BRENO COSTA)

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