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Sono
04/12/2004

Ronco de maridos provoca dor nas mulheres, revela estudo

AMAURI ARRAIS
Da equipe de trainees

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
Roberto Siqueira, apnéico, e Vera Lúcia, que se queixa de dor
Há 21 anos a operadora de caixa Vera Lúcia Pereira Siqueira, 46, não sabe o que é dormir bem. Esse é o tempo de seu casamento com Roberto Leite Siqueira, 48, que sofre de apnéia, obstrução parcial ou total das vias aéreas que faz com que o portador tenha paradas respiratórias durante o sono.

As noites maldormidas ao lado do marido provocam sonolência, fadiga e irritação no dia seguinte. Nos últimos anos, Vera passou a se queixar também de dores nas costas e lombares.

Assim como ela, 81% das mulheres casadas com apnéicos, além de sofrerem os efeitos da preocupação e do cansaço, queixam-se de dor, mostra uma pesquisa realizada pelo Instituto do Sono da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Na população feminina adulta de mesma faixa etária, o índice é de 25%.

Segundo a neurologista Anna Karla Smith, que realiza o trabalho como tese de doutorado, em torno de 50% das mulheres preencheram os critérios para fibromialgia, síndrome que se caracteriza por dores difusas em, no mínimo, 11 pontos distintos espalhados pelo corpo.

Iniciado há dois anos, o estudo envolve 20 mulheres casadas com homens que roncam e têm índice de apnéia de moderada a grave, isto é, já ultrapassaram a barreira das 15 paradas respiratórias por hora de sono.

É o caso do aposentado Siemens Valdambrini, 78, cujos exames no Instituto do Sono detectaram picos de 54 paradas respiratórias por hora de sono. "Uma hora não durmo porque ele ronca, outra hora porque ele pára de roncar. Chega a ficar mais de um minuto sem respirar", conta sua mulher, a aposentada Maria de Lourdes, 65.

Os dois, que eram viúvos, estão casados há três anos. Desde então, ela diz que dorme menos de três horas por noite. "No dia seguinte, estou um bagaço, chego a dormir em pé. Sinto uma dor enjoada na testa", reclama.

"Atendemos muitos pacientes com apnéia e, muitas vezes, quando as esposas sabem que há um reumatologista, se queixam de dores aqui e ali. Observamos que muitas delas apresentavam sintomas de fibromialgia", afirma a reumatologista Suely Roizenblatt, orientadora da pesquisa.

Há anos ela vem se dedicando ao estudo das correlações entre dor e sono, como a presença de distúrbios do sono em pacientes com fibromialgia, artrite reumatóide e artrose no joelho.

Nos últimos anos, seus estudos se direcionaram também para o caminho contrário: de como um distúrbio do sono pode levar à dor por meio do estresse.

Aconselhada por uma amiga, a operadora de caixa Vera Lúcia chegou a usar protetores de ouvido escondida do marido, "para não magoar". Mas, preocupada com as paradas respiratórias dele, cada vez mais freqüentes, abandonou o método.

"As pessoas em geral pensam que, quando dormem, dão uma pausa na vida. Isso não é verdade. Dormir é um processo tão ativo quanto a vigília porque durante o sono são produzidas diversas substâncias para o organismo permanecer em equilíbrio. Se você privar animais completamente de sono, depois de alguns dias eles morrem", diz Roizenblatt.

Serotonina

A ligação entre o estresse provocado pela apnéia dos maridos e os sintomas de dor nas mulheres, segundo a médica, pode estar em neurotransmissores importantes para a sensação de bem-estar, como a serotonina, que, quando está em baixa no organismo, torna as pessoas mais intolerantes, sensíveis a dor e com maior tendência a depressão.

Entre as mulheres pesquisadas, foi observada ainda a ocorrência de sono de ondas rápidas na fase do sono mais profundo, de ondas lentas. "Isso causa uma superficialização do sono e mexe com alguns transmissores, fazendo com que a mulher sinta dor durante o dia", explica a pesquisadora Anna Karla Smith.

A questão ainda é controversa. O neurologista Rubens Reimão, que preside o grupo de pesquisa avançada em medicina do sono do Hospital das Clínicas da USP, afirma não conhecer na literatura médica casos comprovados em que um distúrbio do sono possa levar a um quadro de dor.

No entanto, reconhece que cerca de metade das mulheres atendidas com sintomas de fibromialgia no HC tem histórico de insônia e depressão.

"Embora causa ainda seja desconhecida, sabe-se hoje que a fibromialgia está ligada a alterações nos neurotransmissores responsáveis pelo sistema de recepção da dor", diz.

A pesquisa do Instituto do Sono entrevistou as mulheres afetadas, cujas respostas mostraram que o tempo em que os sintomas de dor começaram a se manifestar coincidia com o de convivência com a apnéia dos maridos.

Estudos em medicina do sono há algum tempo tentam afirmar que uma má qualidade do sono pode vir a gerar uma queixa de dor. "Se conseguirmos provar que esta situação está provocando os sintomas fibromiálgicos nessas mulheres, vamos colocar mais um tijolo em favor dessa hipótese", diz a autora da tese.
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