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Sono
04/12/2004

Íntegra: Pesquisador reabilita idéias de Freud

Para psiquiatra, além da busca pelo prazer, medo também influencia o sonhar

CLOVIS CASTELO JUNIOR
Da equipe de trainees

Flávio Florido/Folha Imagem
Flora (nome fictício), que tem surtos repentinos de sono, em casa
Há coisas que nunca vamos entender sobre a mente humana apenas conversando com as pessoas

Unir conhecimentos de neurociência e psicanálise pode levar a novas terapias, baseadas em intervenções mais precisas, defende o neuropsiquiatra sul-africano Mark Solms.

Solms envolveu-se em polêmicas com os psicanalistas clássicos quando afirmou que os sonhos são fenômenos psíquicos, mas de fundo biológico. Eles seriam resultado da evolução da espécie e responsáveis pelo equilíbrio imuno-fisiológico do organismo.

Solms também sofre forte oposição de neurocientistas como o americano Allan Hobson (leia entrevista ao lado), ao afirmar que as recentes descobertas científicas sobre a localização das funções cerebrais são coerentes com algumas teses de Freud.

De Londres, o professor da Universidade de Cape Town (África do Sul) e da London School of Medicine falou à Folha por telefone sobre suas descobertas.

Folha - O que são os sonhos? Para que servem?
Mark Solms - São pensamentos que ocorrem durante o sono e que tomam forma de alucinações. Na verdade não sabemos com certeza qual é a função dos sonhos para o organismo. Nenhuma teoria ainda foi provada.

Poderia dizer, no entanto, que sua principal função é a de nos representar em nossas mentes para realizar, no imaginário, algo que não poderíamos quando acordados.

Folha - Por que o sr. mudou de idéia a respeito das teses de Freud?
Solms - As evidências encontradas parecem ser coerentes com sua teoria. O que nós pesquisávamos no início dos anos 90 parecia sugerir que Freud falhara, mas nós é que estávamos errados.

Os sonhos são gerados pelas partes do cérebro responsáveis pela motivação, instintos e emoções, mecanismos altamente ativos durante o sono. O que é coerente com o que Freud dizia.

Também sabemos que, no sono, quando esses mecanismos estão em atividade, outros que os controlam estão desativados, como os ligados à racionalidade e orientados pela realidade. Isso não prova que ele estava certo ou errado, mas estamos chegando perto de poder, ao menos, testar.

Folha - Quais são seus pontos de discordância com as teses de Freud sobre os sonhos?
Solms - A meu ver, a parte mais fraca da teoria refere-se aos significados ocultos dos sonhos. Isso pode confundir o sonhador e o analista numa ginástica mental complicada. Eu não digo que Freud estava errado, apenas considero improvável que sua explicação seja o caminho mais viável.

Folha - Como seria a nova abordagem terapêutica combinando a neurociência e a psicanálise?
Solms - Todos têm algo a ensinar. Nós podemos aprender sobre como a mente funciona do ponto de vista da experiência subjetiva, algo que nunca poderíamos pelas ciências físicas.

Vice-versa, há coisas que nunca vamos aprender cientificamente sobre a mente, apenas conversando com as pessoas. Precisamos fazer pesquisas, sermos capazes de fazer medições e manipular variáveis experimentalmente.

O ganho óbvio ao unirmos as duas abordagens é que teremos um entendimento melhor sobre o funcionamento da mente. Saberemos com mais precisão o que fazer. As novas terapias poderão ser baseadas em intervenções mais específicas, mais definidas.

Folha - Então seria possível no futuro os sonhos serem vistos de uma outra maneira?
Solms - Sim. Nós já sabemos, por exemplo, que há quatro instintos básicos no cérebro dos mamíferos, todos igualmente importantes para a geração de sonhos: os instintos de medo, raiva, da busca do prazer e o gregário.

Para os psicanalistas clássicos, os sonhos são influenciados somente pela busca do prazer, pelo direcionamento da libido. Mas nada indica que esse sistema é o mais importante. Os psicanalistas dizem que o medo é secundário, a primeira causa é o desejo. Esse é um dos pontos que a psicanálise poderia rever.

Folha - É possível alterar sonhos usando medicamentos?
Solms - Sim, é possível alterar sonhos quimicamente. Mas não é possível dizer que faremos uma pessoa sonhar com algum tema específico. Também não podemos fazer alguém sonhar mais ou menos vezes, ter sonhos mais ou menos bizarros ou intensos.

Folha - Haveria questões éticas ao usar esses medicamentos?
Solms - Como tudo em medicina, isso pode ser usado para o bem ou para o mal. O mesmo pode ser dito de toda a manipulação química do funcionamento cerebral. Nós não sabemos exatamente como isso pode ajudar no contexto do processo terapêutico.

Folha - É fato que alguns neurocientistas se interessam pelas teorias de Carl Jung sobre sonhos?
Solms - Principalmente para Allen Braun e Allan Hobson, que hoje têm simpatia pela concepção junguiana sobre sonhos. Eles acham que elas retratam melhor as preocupações do sonhador. É mais compatível do que afirmar que os sonhos têm significados ocultos. O que vemos é o que temos, segundo suas afirmações.

Folha - Qual é sua opinião sobre a tese de Hobson de que os sonhos são apenas produto da atividade cerebral durante o sono?
Solms - Para começar, Allan Hobson diz coisas diferentes em diferentes momentos. Inicialmente ele afirmava que os sonhos são aleatórios e sem significado. Tentar interpretá-los seria inútil.

Agora não diz que eles não tenham significado, mas que esse é óbvio. Você não precisa de um terapeuta para interpretá-los. Penso porém, que não é tão óbvio assim. Se você pesquisar, 95% das pessoas não sabem o que seus sonhos significam. De fato, a maior parte das vezes não conhecemos todos os significados dos sonhos de nossos pacientes.

Hobson também admite hoje que os sonhos revêem basicamente o estado emocional e motivacional no cérebro. Acho que ele não quer ser visto como alguém que, no final, estava errado.
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