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Vícios modernos
20/06/2004

PREJUÍZO: O PREÇO DA DROGA E A RESSACA SOCIAL

O Brasil gasta por ano mais de R$ 82 mi apenas com tratamento de saúde por causa das drogas; álcool e cigarro são o maior problema

DANIEL BUARQUE
DA EQUIPE DE TRAINEES

O governo brasileiro gasta pelo menos R$ 82 milhões por ano com o tratamento de problemas relacionados ao uso de drogas. A cifra é um cálculo inédito feito a partir dos dados, de 2003, do Datasus (Departamento de Informática do SUS), sobre internações de pacientes por transtornos mentais e comportamentais causados pelo uso de álcool e outras drogas psicoativas, além da doença alcoólica do fígado (cirrose).

O valor equivale a um quinto daquilo que é gasto no tratamento de câncer por ano, no país. Se não fosse usado para tratar o abuso de drogas, seria suficiente para cobrir as despesas anuais de pessoal de Saúde do Estado da Paraíba (3,5 milhões de habitantes).

O cálculo chega a um dado importante, mas insuficiente para representar os custos econômicos e sociais decorrentes do abuso de drogas. Ele não contempla variáveis econômicas e sociais também influenciadas pelo consumo de drogas (veja gráfico ao lado).

Apesar da recomendação do Cicad (Comissão Inter-Americana de Controle do Abuso de Drogas) para que se produzissem pesquisas nesse sentido, o Brasil ainda não desenvolveu nenhum estudo que apontasse o real custo econômico e social gerado pelo abuso de drogas. "É muito difícil porque entra na área da saúde, da educação, de esportes, da Justiça. É muito complicado colocar isso numa fórmula matemática", afirma o secretário nacional antidrogas, Paulo Roberto Uchôa.

A dificuldade é a metodologia, que envolve diferentes variáveis. Até hoje, apenas alguns países da Europa, os EUA e o Canadá fizeram pesquisas nesse sentido. O Brasil ainda não tem previsão para fazer esse levantamento.

Pelos últimos estudos promovidos pelo Nida (Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA), o prejuízo com as drogas nos Estados Unidos chega a cerca de US$ 245 bilhões por ano --mais da metade do PIB brasileiro. Os gastos com tratamento de saúde são apenas 11,7% desse total.

Só como comparação, se a porcentagem brasileira fosse equivalente à dos EUA, e os R$ 82 milhões representassem 11,7% do prejuízo total, o Brasil perderia mais de R$ 700 milhões por ano por causa das drogas. O cálculo vale apenas como estimativa, já que há diferenças na análise de cada país segundo o Cicad, que desenvolveu uma metodologia para estimar prejuízos com drogas, ainda não utilizada.

O Pompidou, grupo europeu de cooperação contra o abuso de drogas, também propõe um modelo para calcular os custos do vício. De acordo com o documento, o valor total é a soma dos gastos privados (aquisição da droga, tratamento e advogados) com os públicos (prevenção, tratamento e repressão), mais os externos (como perda de produtividade e morte prematura).

Estudo feito na França mostra que a perda de produtividade representa 52% dos prejuízos provocados pela droga. O álcool é responsável por cerca de metade do total desses gastos sociais, enquanto as drogas ilícitas, por 6%.

Custos sociais

O uso de drogas atinge diretamente pelo menos de quatro a seis pessoas próximas ao usuário. "O tempo das pessoas que ajudam o usuário tem um valor", afirma Giovanni Quaglia, representante do Unodc (Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime) para o Brasil e o Cone Sul.

Os custos sociais são evidentes nos casos em que há abuso. Apesar de ainda estar em idade produtiva, José Henrique, 43, foi aposentado por invalidez. Ex-funcionário da Caixa Econômica Federal, foi levado pelo próprio gerente do banco para uma clínica psiquiátrica, onde se internou pela oitava vez por causa da dependência de álcool e cocaína.

Ele começou a beber para aliviar a depressão causada por problemas conjugais. O consumo de álcool e cocaína ajudou a sepultar seu casamento e sua atividade profissional.

Um estudo da ONG internacional Mentor --que atua na prevenção do uso de drogas por adolescentes-- levanta casos em que o prejuízo provocado pelos entorpecentes está relacionado à violência, à mortalidade precoce e às doenças indiretas, como a Aids, no uso de drogas injetáveis.

Padrões de consumo

Quase um quinto dos brasileiros entre 12 e 65 anos, moradores das 107 cidades com mais de 200 mil habitantes, já experimentou algum tipo de droga que não álcool ou tabaco. O dado, de 2001, é da única pesquisa ampla de consumo de drogas no Brasil, realizada pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas), da Unifesp.

A pesquisa foi a primeira a fazer um diagnóstico da realidade brasileira. "Ela traça um perfil sobre o consumo de drogas. A partir daí, podem-se fazer programas de prevenção adequados à nossa realidade", afirma José Carlos Galduróz, psiquiatra do Cebrid e um dos coordenadores da pesquisa.

Segundo Galduróz, o levantamento isolado não é suficiente para analisar as tendências e a evolução do uso de drogas no Brasil. Para isso, seria necessária uma maior regularidade nesse tipo de pesquisa epidemiológica.

"No segundo semestre, iniciaremos o segundo levantamento nacional, para que tenhamos novos dados para comparar e sabermos se o perfil melhorou ou piorou", diz o secretário Uchôa.

Segundo Claudio Duarte, psiquiatra do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudo de Álcool e Drogas) da USP (Universidade de São Paulo), o Brasil tem pouca tradição de pesquisas epidemiológicas. "Os EUA têm uma pesquisa anual. A metodologia --entrevistas domiciliares-- é a mesma que foi replicada aqui. Mas o investimento em pesquisas no Brasil ainda é menor."

A pesquisa mostra claramente que os maiores problemas do país são álcool e tabaco, drogas legais.

A bebida tem mais de 1 dependente em cada 10 habitantes das 107 maiores cidades. Quase 70% já experimentaram o álcool. O cigarro, por sua vez, tem 9% de dependentes.

Segundo um estudo do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp, realizado este ano, um quarto dos adolescentes das classes A e B de São Paulo, Brasília e Campinas, bebe em níveis considerados arriscados pela Organização Mundial de Saúde e tem propensão ao alcoolismo.

Entre as substâncias ilícitas, a maconha é a droga mais usada no Brasil. A escala nacional de consumo, entretanto, é bem mais baixa que a do resto do mundo. Nos EUA, o percentual de pessoas que já usaram maconha e cocaína é cinco vezes maior que no Brasil.

Segundo Quaglia, a tendência nacional é de crescimento no consumo de drogas. "O Brasil ainda é um país de consumo baixo, mas o fenômeno das drogas começou com 20 anos de atraso em relação à Europa e aos EUA."

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