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20/06/2004

Íntegra: Figura paterna fraca leva filho à dependência

TATIANA LIMA

A ausência de uma figura paterna forte é o principal motivo que leva alguém a adotar um comportamento dependente. Esse é o argumento central da tese de doutorado que o psiquiatra e psicanalista Maurício Gadben defendeu no início deste mês no departamento de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas).

Nesta entrevista, Gadben fala um pouco sobre sua tese, a importância da internação no tratamento do dependente e os grupos de anônimos.

Folha - Fale um pouco sobre sua tese de doutorado.

Gadben - Eu levanto uma hipótese de que na família do usuário de drogas (há vinte anos que eu atendo pacientes nessa condição e nesses anos eu percebi isto) a presença do pai é uma figura frágil, quase ausente. Na verdade, às vezes o pai é até presente fisicamente, mas alguma coisa impede que ele exerça a função dele. Então não é o pai em si, é a função paterna.

Folha - A percepção que a pessoa tem do pai.

Gadben - Isso. A função paterna não está bem exercida naquela casa. Ou o pai é ausente, ou morreu, ou é doente etc. E aí a função paterna fica desqualificada.

Uma das principais funções do pai é introduzir o filho no princípio da realidade. Usar drogas é princípio do prazer. Como se a pessoa pudesse satisfazer todos os seus prazeres, como se ela pudesse viver sem angústias. Ela imagina que pode construir um mundo artificial com um toque de mágica.

É onipotente imaginar que se pode construir um mundo diferente do que existe. Isso é uma postura própria da criança. À medida que a pessoa cresce, perde essa onipotência e fica potente.

O pai entra entre o filho e a mãe e introduz o filho na realidade. Por falta dessa figura paterna, a criança não consegue desenvolver um pensamento simbólico, que é o pensamento que propicia o poder conviver, relacionar-se, comunicar-se. Eu falo sobre o usuário compulsivo de drogas. Não é quem experimenta ou que de vez em quando usa.

Folha - Como a internação entra nisso?

Gadben - A onipotência do usuário vai ter que ser barrada por algo. Então, normalmente, pessoas de autoridade (polícia, pastor, professor, o irmão mais velho, às vezes o pai) intervém e colocam o usuário na clínica. A internação tem valor se ela puder exercer, para esse jovem, a função paterna que ele não teve na vida. Se o hospital funcionar como aquele que introduz o princípio de realidade, como aquele que propicia o desenvolvimento da capacidade de pensar. Se não, ela se torna apenas um turismo.

Isso é algo comum.O usuário de drogas, às vezes, não consegue absorver o valor de uma internação e começa a entrar e sair de clínicas. Mas isso porque o hospital funcionou igual àquele pai precário que ele teve.

Folha - Nesse sentido, o que você acha dos grupos anônimos --AA, NA etc. Eu conversei com uma psicóloga que trata de jogadores compulsivos e ela me disse que leu um trabalho que atribuía o sucesso dos "anônimos" ao fato de eles tirarem o sentimento de onipotência dos dependentes. Isso porque nesses grupos o primeiro passo é admitir que há um ser superior a eles. É ele reconhecer que não é onipotente.

Gadben - Eles funcionam --os grupos de auto-ajuda, as clínicas religiosas--, mas não sabem disso que eu estou falando. Deus pode funcionar como função paterna.

Só que tem um detalhe, o problema não é parar de usar drogas, como clínicas e esses grupos de auto-ajuda falam: só por hoje eu não vou usar. O problema do drogadicto ou do alcoólatra é mais profundo, ele precisa amadurecer. Ele precisa sair dessa transição em que ele está dependente da mãe.

Vamos imaginar uma mãe que vai prover tudo para ele, inclusive sustenta a dependência dele. Nesse caminho da dependência para a independência ele precisa de alguém que se introduza, ele precisa do pai, alguém que o ajude a deixar essa condição de dependente. Quer dizer o problema não é ser dependente de drogas ou de bebidas, é ser dependente de um modo geral.

Folha - Isso esses grupos não fazem?

Gadben - Não fazem porque não são preparados para isso. Eles fazem empiricamente, em parte. Na verdade, os usuários ficam dependentes desses grupos.O grande problema não é só parar de usar drogas, parar de beber, isso é fácil. Não é tão difícil quanto parece.

Folha - A onipotência do drogadicto é semelhante a de outros compulsivos: a pessoa que joga demais, que come muito etc.

Gadben - Existe uma tentativa de evasão da realidade. Do mesmo jeito que eu estou falando em drogadicção [neologismo para dependência de drogas], eu tenho pacientes viciados em jogos, internet, sexo. Em tudo há uma necessidade de aliviar a angústia rapidamente. Angústia é o sentimento frente ao desconhecido. Se a pessoa se introduz na vida, se ela está progredindo, se está construindo, ela está sempre diante de algo que não conhece. Se ela enfrenta isso, pode progredir. O contrário disso é tentar se livrar da angústia o tempo todo. Aí a pessoa adota algum comportamento adicto. Porque ela se sente insegura, impotente para lidar com o novo.

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