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Vícios modernos
20/06/2004

Íntegra: Substituir drogas pesadas por leves é alternativa ao tratamento do dependente

Pode parecer estranho, mas dependentes de crack podem se tratar substituindo essa droga pela maconha, tentando diminuir as conseqüências do vício. Eliseu Labigalini Júnior, psiquiatra do Proad/Unifesp (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) desenvolveu, em 1997, um programa com 25 usuários de crack, dos quais 70% abandonaram o vício. Tal iniciativa insere-se na chamada redução de danos, que sem exigir a abstinência, procura amenizar os riscos do uso de drogas.

Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha

Redução de danos é tratamento ou é uma forma de encarar a dependência diminuindo seus riscos?

É uma forma de tratar que foi agrupando todas outras formas de tratamento que de alguma maneira amenizavam as conseqüências do uso da droga. É uma campo muito rico porque é mais real, procurando estabelecer estratégias para reduzir os prejuízos do uso de drogas e não precisa, necessariamente, trabalhar com a abstinência total, que é um conceito muito utópico e inalcançável para boa parte dos dependentes. Se você conseguir que um dependente de cocaína injetável, continue sendo dependente, mas que ela não contraia nem transmita o vírus da Aids, você já terá um ganho. Isso é redução de danos.

Fale sobre o trabalho realizado com dependentes de crack.

Esse trabalho começou em 1997, no Proad, a partir da observação espontânea de dependentes que faziam essa substituição, numa tentativa de segurar a fissura do crack. O trabalho foi realizado com 25 dependentes, todos homens. Depois de um ano, 70% deles pararam de usar crack e também não usavam maconha de uma forma compulsiva, pois ao longo desse ano foram orientados a reduzir o uso da maconha também. No começo a orientação era que se não fosse para usar o crack, poderia usar a maconha, passados dois meses, quando a fissura inicial havia passado, fomos orientando para que diminuíssem também o uso da maconha. Gradativamente eles foram retomando o trabalho, o namoro, as relações com a família.

Esse trabalho é um exemplo de redução de danos, pois sem ter que necessariamente contar com a abstinência total. Essa experiência é levada para outros lugares e as pessoas que trabalham com redução dizem observar essa substituição.

Essa é uma estratégia brasileira. Tenho a impressão que a sociedade brasileira é mais tolerante em relação à maconha.

A redução de danos visa, como foco final, que o dependente pare de usar drogas ou apenas não discriminar o usuário?

Não há essa obstinação por parar que cerca a maior parte das iniciativas de tratamento, mas se a pessoa desejar parar ela vai ser acompanhada e fortalecida durante esse processo. Mas, por exemplo, no projeto com usuários de crack, se a pessoa passa a fazer uso esporádico de maconha e isso não traz prejuízos na vida profissional, na vida afetiva, a gente não se contrapõe.

Mas o que é uso esporádico?

Uma ou duas vezes por semana, nos momentos em que a pessoa não está trabalhando, não está cuidando de crianças, não está fazendo coisas que ela possa se machucar. Outro exemplo é o uso social do álcool. Setenta por cento das pessoas que bebem, fazem uso esporádico, numa festa, numa reunião, num encontro. Em relação à maconha, de 80 a 90% dos usuários fazem uso esporádico. São pessoas que nunca ficaram dependente, usam nos finais de semana, usam na praia, quando vão sair, mas não usam para fazer as coisas do dia-a-dia. Lógico que tem os dependentes, os outros 10 a 20%, que estão numa relação que não é do uso, mas do abuso e da dependência.

No Brasil, quem realiza projetos de redução de danos?

Proad e ONGs principalmente, trabalhando basicamente com troca de seringas e prevenção de HIV.

Quando uma pessoa precisa ser internada?

Em casos que a pessoa está colocando em risco a sua vida e dos outros. Casos em que a pessoa já tentou parar de outras formas e não conseguiu, tentou medicação, terapia, mas esses recursos não deram certo. No caso de pessoas refratárias ao tratamento, que não querem se tratar.

Tem algum tratamento que é sempre bem sucedido?

Não. As técnicas convencionais são muito limitadas_ a medicação, a internação e psicoterapia. Por exemplo, com uma pessoa dependente de cocaína, você percebe uma falha muito grande na sua auto-estima. Nossa auto-estima é formada nos primeiros anos de vida, principalmente. Na terapia isso é identificado, mas como se faz para transformar isso? A terapia e a medicação podem ter resultado, mas é a longo prazo, com muito esforço da pessoa.

Pode-se dizer que a terapia é o tratamento que mais exige a dedicação do dependente pelo fato de buscar um processo de auto-conhecimento?

Sim. A internação, por exemplo, é ilusória, pois as pessoas quando saem, voltam a usar a droga, a bebida. Isso é o aspecto psicológico da dependência, questões profundas de auto-estima, que não se consegue, muitas vezes, trabalhar na internação.

É comum pessoa conseguir parar com a droga e trocá-la por outra compulsão?

É muito freqüente. O próprio AA (Alcoólicos Anônimos), que é bom porque as pessoas param de beber, mas é um negócio tão obsessivo, que uma percepção mais profunda, a pessoa não se curou, só transferiu o objeto, apesar de menos destrutivo. Tem pessoas que param de fumar ou beber e passam comer muito.

O senhor acha que vivemos uma época na qual os vícios são maiores?

Acho que vivemos uma época na qual as compulsões são mais conhecidas. Aliado a isso, os estímulos socioculturais para alguém se tornar compulsivo também aumentaram. O estímulo ao consumismo, ao imediatismo, ao prazer agora.

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