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20/06/2004

Íntegra: Médica defende mudança de hábito para deixar cigarro

Médica defende mudança de hábito para deixar cigarro

A pneumologista Cristina Cantarina, responsável pelo serviço de tratamento de tabagismo do Inca (Instituto Nacional de Câncer), diz que pequenas alterações comportamentais podem fazer o fumante diminuir o consumo.

Segundo a médica, muitas vezes é o comportamento do fumante que o induz a fumar e não uma necessidade física. São os casos que a pessoa associa o ato de fumar com falar ao telefone, por exemplo. "Isso [fumar] não acontece porque o nível sangüíneo de nicotina baixou ou porque ele está de fato precisando de fumar.

No entanto, em outros casos, diz, há mesmo a dependência da nicotina (substância presente nos cigarros). "Todas as pessoas têm receptores cerebrais específicos para a nicotina. O fumante tem um pouco mais."

Para essas pessoas, o Ministério da Saúde lançou recentemente um projeto que prevê a distribuição gratuita de medicamentos que inibem a vontade de fumar. Segundo a médica, até 2006, todas as secretarias municipais de saúde deverão fornecer a medicação. Leia a íntegra da entrevista com Cristina Cantarino.

- Como é o tratamento do Inca para as pessoas que desejam parar de fumar

Nós atendemos os pacientes matriculados no Inca e seus familiares. O objetivo é manter aquela casa [do fumante] livre das influências dos derivados do tabaco. A gente faz um tratamento com abordagem intensiva em um grupo multidisciplinar. Na composição do grupo há clínicos, pneumologistas, psiquiatra, que atende quando há necessidade, tem nutricionista, fisioterapeuta. O tratamento é feito em grupo, mas, em casos específicos, o tratamento é individual.

- Como é a terapia cognitiva comportamental usada pelo Inca?

A gente atende o grupo conversando para prepará-lo para reconhecer e ser o agente de mudança do seu próprio comportamento. Vai aprender a conviver com aquelas situações que levavam a fumar, sem recorrer ao cigarro. Por exemplo, ele fumava quando estava estressado, então ele vai aprender a reconhecer isso e mudar seu comportamento. Há pessoas que associam certos comportamentos ao hábito de fumar. Falar ao telefone, quando está estressado, para se concentrar mais para produzir um texto. Nós tentamos ensiná-los a fazer essas atividades sem o uso do cigarro.

Existe a dependência física, mediada pela nicotina, existe a dependência psicológica e a comportamental, a que chamamos de automatismo do fumante, que é mais fácil de se livrar no dia-a-dia. Ele vai se livrar daqueles cigarros que não está com vontade de fumar. A primeira providência é afastá-lo do maço de cigarros. Porque é muito freqüente a pessoa estar na sala e acender um cigarro, vai para a cozinha e acende outro. Isso não acontece porque o nível sangüíneo de nicotina baixou ou porque ele está de fato precisando fumar. Isso é porque ele tem todo um gestual que ele repete há muitos anos sem se dar conta.

- Gostaria que a sra. explicasse o mecanismo físico do vício de cigarro?

Todas as pessoas têm receptores cerebrais específicos para a nicotina. O fumante tem um pouco mais. A nicotina, em questão de segundos, uma vez inalada, atinge o cérebro e causa uma sensação de prazer, mediada por neurotransmissores. Então, ele vai buscando sempre essa sensação de prazer, o que cria um círculo, já que todos querem essa sensação de prazer.

- Todos têm essa predisposição?

Todas as pessoas têm os receptores. Existem algumas pessoas que têm maior facilidade para se tornarem dependentes químicos. O mecanismo genético vem sendo estudado. Existe uma enzima, que alterada, faz com que algumas pessoas necessitem de maior quantidade de nicotina que outras.

- E para essas, o convencimento é o bastante para elas pararem ou é preciso o uso de medicamentos?

Algumas que tem um grau de dependência de médio a elevado precisam de, além da abordagem cognitivo comportamental, um auxílio medicamentoso. O eixo fundamental do tratamento é a abordagem cognitivo comportamental, mas a síndrome de abstinência dificulta a mudança. São sintomas desagradáveis que ninguém quer ter.

-Por exemplo.

Irritabilidade, inquietação, alteração do sono, tanto insônia como sonolência, cefaléia, tonteira, dificuldade de concentração, sudorese fria. Para essas pessoas, que tem a possibilidade apresentar esse quadro, devem usar apoio medicamentoso.

- E foi para essas pessoas que o Ministério da Saúde anunciou recentemente que irá fornecer esses medicamentos?

Exato. Essa portaria foi importante para disponibilizar na rede do SUS (Sistema Único de Saúde) um atendimento completo ao fumante, incluindo as duas abordagens. É de vital importância porque sabemos que o tratamento é caro e as pessoas de baixa renda e escolaridade atualmente fumam mais que as pessoas com renda e escolaridade mais altas.

- E como atingir esse público?

O Inca coordena o Programa Nacional de Controle de Tabagismo. Já existem coordenadores estaduais e municipais que são responsáveis por abrir o leque de atendimento, os chamados multiplicadores. A portaria veio finalizar o tratamento e foi um ganho fantástico em termos de saúde pública. A maneira como isso vai ser organizado será definido até o fim de junho. Será formalizado como será feita a distribuição dos medicamentos.

- Isso tem previsão para ocorrer?

Até 2006, esperamos que toda a rede do SUS esteja apta a atender.

- Quantas pessoas conseguem abandonar o vício?

80% dos fumantes desejam parar de fumar. Sem qualquer tipo de ajuda, apenas 3% conseguem. Se nós oferecemos tratamento, em torno de 30% conseguem abandonar, mas dependendo da abordagem isso pode subir.

- O que a sra acha de tratamentos por redução de danos? O fumante precisa abandonar o cigarro para sempre?

Não existe nenhum nível seguro para consumo de derivados de tabaco. O ideal é que ele pare de fumar. Hoje, falam de cigarros naturais, mentolados, de chocolate e morango e que dizem que trazem menos males à saúde. Não é verdade. Alguns deles têm quantidade de substâncias tóxicas maior do que a dos cigarros tradicionais.

- E sobre os tratamentos de auto-ajuda, o que a sra. acha?

Acho que qualquer tentativa de parar de fumar é válida. O tratamento depende muito de motivação do fumante. Muitas pessoas fumam muito porque não sabem que a 'fissura' por fumar dura apenas cinco minutos. Se a pessoa aprender a lidar com esses cinco minutos, bebendo água gelada, tomando um sorvete, comendo uma fruta, fazendo exercícios respiratórios. Aqui nós usamos muito essa técnica. Em vez do paciente inalar substâncias tóxicas e nocivas, ele faz um exercício para oxigenar melhor o pulmão e melhorando sua capacidade respiratório. Enquanto ele está concentrado no exercício, a fissura já passou. Mesmo que a vontade volte, ele deixou de fumar um cigarro. Com isso, ele ganha confiança e vê que não é tão difícil parar.

- Por que água gelada?

Tudo que é gelado tira a vontade fumar. As pessoas têm de escolher o que irão comer para substituir a vontade do cigarro para evitar ganhar peso. Escolha água, bebidas light com muito gelo, picolés de fruta de baixa caloria, frutas de baixa caloria. Recomendamos fazer um kit de sobrevivência. Assim como o cigarro já está pronto para ser consumido, as frutas também devem estiver prontas para o consumo, descascadas.

O cigarro deve estar longo para vencer o automatismo de acender sem nem se dar conta. Assim, ele ganha tempo para pensar se quer mesmo fumar um cigarro e até consegue o deixar de lado. Muitas vezes ele consegue vencer, o que aumenta a confiança e ele percebe que consegue ter controle.

- O ganho de peso ocorre por essa substituição?

Também. Existe ainda uma alteração metabólica, mas que não é muito grande. O que ocorre é uma substituição por alimentos de maior caloria. A variação fica entre três e quatro quilos, variando um pouco em cada caso. Mas não são mais grave do que os prejuízos trazidos pelo tabaco, como as mais de 50 doenças associadas ao cigarro.

- Como avalia política brasileira de combate ao fumo?

É uma das mais avançadas do mundo, mas ainda temos muito o que fazer. Nós avançamos muito, somos uma liderança no mundo. Mas temos de avançar na prevenção em escolas, com meninos que estão começando a fumar.

- Para as pessoas que não são atendidas pelo Inca, o que elas devem fazer para buscar tratamento?

No maço de cigarro, há um 0800 no qual a pessoa é informada sobre o local mais próximo em que há tratamento médico, já que o trabalho é delegado a Estados e municípios.

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