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25/08/2003 - 03h47

Geografia preservou tradição quilombola

Especial para a a Folha de S.Paulo, em Goiás

Antes de englobar parte do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, o município de Cavalcante já abrigava um dos principais quilombos brasileiros: a comunidade calunga.

É fácil entender por que os escravos que escapavam se refugiavam nessa região mais de 200 anos atrás. A chapada dos Veadeiros é um mar de serras, morros, cânions, cachoeiras e olhos-d'água, e os paredões de pedra formam muralhas penosas de ultrapassar. O isolamento foi a defesa contra os senhores de escravo que queriam reconduzir os quilombolas à escravidão. E esse isolamento --que diminuiu bastante nos últimos anos-- contribuiu para preservar a identidade e o modo de vida tradicional.

Atualmente, alguns povoados recebem turistas e permitem que eles tomem banho nas cachoeiras locais. Em Engenho 2, uma das líderes locais, dona Getúlia Moreira da Silva, 46, faz comida para os visitantes e vende tecidos feitos à mão. Muitas mulheres calungas ainda sabem descaroçar o algodão, estirá-lo, colocá-lo no pau do fuso e rodar para fiar a linha.

"Desde que me entendo por gente, vivemos do que arrancamos da terra: arroz, feijão, milho, mandioca, abóbora, quiabo, coentro e alho. Hoje falta lugar para plantar. Os grileiros venderam muitas terras. Agora, com o sítio histórico do calunga, esperamos que a situação mude", explica dona Getúlia. A área foi reconhecida oficialmente em 1991 como sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Calunga.

"Antes, tínhamos medo dos turistas. Eles entravam, não falavam com ninguém. Depois, começamos a organizar as visitas", afirma. Questionada sobre o número de habitantes da comunidade em Engenho 2, responde: "Conheço todo mundo, mas tenho de fazer a conta". Há cerca de 60 casas ali.

"Ainda tem muita gente analfabeta aqui, mas já temos escola da 1ª até a 5ª série. Antigamente, todos moravam na beira do rio. Hoje, já tem até água encanada e agente de saúde "filho da terra"."

Um dos principais debates na aldeia gira em torno da chegada iminente da energia elétrica. "Só usamos lamparina. Tudo é feito em cima da hora porque não temos geladeira. Até o frango matamos na hora", diz dona Getúlia.

"Na época da eleição, conhecemos muita gente; eles sempre vêm fazer propaganda. Só o prefeito que vem de vez em quando."

Jorge Moreira de Oliveira, 35, costuma viajar a Brasília e Goiânia para reuniões sobre a comunidade nas quais defende melhorias como mais escolas, atendimento médico e turismo organizado.

"Não há normas certas sobre os turistas. Precisamos definir bem as coisas para evitar problemas e parar de perder as tradições", alega. "Mesmo em Brasília, muitos calungas encontram gente da comunidade e procuram casar entre si." Com frequência cada vez maior, os jovens vão estudar em cidades próximas e não retornam.

Cerca de 4.000 calungas se espalham por vilarejos em Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre. Fundada em 1740, Cavalcante (a 330 km de Brasília) foi a capital regional da chapada dos Veadeiros até a ascensão de Alto Paraíso.

Segundo Ion David, 29, diretor da agência Travessias, "as pessoas têm preconceito em relação aos calungas. Pode-se dizer que eles fazem trabalho forçado na região, algo como uma escravidão remunerada". Festas típicas como as de Nossa Senhora das Neves e d'Abadia, além das folias de Reis, de São Benedito, do Divino, de Santo Antônio e de São João, atraem membros da comunidade calunga e de cidades próximas.

Muitos calungas são religiosos, mas não deixam de contar histórias dos seres dos rios.

A piratinga monstro (maior peixe de couro do Brasil, que chega a pesar mais de 150 kg) devora os dedos dos jacarés. A pirarara (peixe com uma faixa amarela) vive na cachoeira do Funil, "deitada em cima de uma corrente de ouro". Os calungas contam que ela tem a cabeça apoiada num lado da cachoeira e o rabo no outro. A maioria das crianças sabe de cor os nomes dos peixes.

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