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03/05/2004 - 02h48

Glaciares parecem ter adotado estilo gótico

do enviado especial da Folha de S.Paulo à Patagônia

Leões e elefantes marinhos movimentando-se em misteriosa gravidade (uma espécie de contraponto gelado à savana africana), pingüins levemente surreais, cormorões e albatrozes que passam 90% da vida na superfície da água, golfinhos e baleias são alguns dos animais vistos a partir de cruzeiros que transitam pelas águas austrais.

Em geral, as paisagens marinhas não têm perspectiva e não há nada que sugira a profundidade do espaço. Já entre esses canais, a história é diferente.

As montanhas se elevam por até 2.000 metros acima da água, seus perfis se sucedem em fugas de planos azulados, a continuidade das linhas horizontais é interrompida pelos glaciares enclausurados entre as rochas: tudo forma uma espécie de conjunto arquitetônico. A impressão é que os glaciais adotaram o estilo gótico.

À distância, o gelo multiplica a claridade difusa; visto de perto, porém, sua cor é uma espécie de azul anil. Pelo peso que suportam, suas partículas são muito comprimidas (um metro cúbico pode pesar uma tonelada e meia) e refletem do espectro luminoso apenas as freqüências do azul, num tom capaz de aumentar a quantidade de sonhos do viajante.

Estrias horizontais marcam diferentes camadas de gelo e correspondem aos anéis que indicam a idade nos troncos das árvores. A camada superior, de neve recém-pousada, ainda é branca.

Quando um pedaço de gelo se destaca e cai na água, ouve-se o eco, um barulho poderoso e inquietante, desproporcional à pequena massa que se vê cair. Um estudante de psicanálise o definiria como grito primordial.

Durante uma excursão pela baía Wulaia, na enseada de Ponsonby, sobe-se uma montanha por algumas centenas de metros. Os guias pedem três minutos de silêncio para ouvir apenas o ruído do vento. Lá em baixo, o navio parece um ferro de passar roupas que alisa as dobras da água.

O alfabeto sinuoso que forma fiordes e canais é propício aos relatos de viagem. Muitos dos que atravessaram o triângulo austral acabaram publicando seus diários.

Um deles, Antonio Pigafetta, um nobre veneziano que, autorizado graciosamente pela corte espanhola, viajava com Magalhães por puro prazer, foi um dos poucos sobreviventes da façanha e publicou suas memórias.

Outros dos autores são Francis Fletcher, capelão de bordo do Pelican, de Francis Drake, Antonio Sarmiento de Gamboa, que passou pelo estreito entrando pelo Pacífico, e Charles Darwin, que chegou a bordo da embarcação HMS Beagle, numa viagem que se tornou lendária após a teoria da seleção natural mudar o pensamento ocidental.

Vagarosamente, o cruzeiro pára na baía de Ushuaia, no canal de Beagle, em território argentino, para visitar a cidade homônima, aos pés de um grupo de montanhas sempre cobertas de neve.

Alguns passageiros aproveitam o câmbio favorável para fazer compras: fica claro que os valores das respectivas moedas proporcionam, no navio, o encontro entre passageiros da classe média de vários países.

Ushuaia

Até 1947, em Ushuaia, havia um presídio, hoje transformado no Museu Marítimo de Ushuaia & Museu do Presídio (www.tierradelfuego.org.ar/museomar).

Na época, o local hospedava delinqüentes comuns e presos políticos. As autoridades justificavam a falta de muros do edifício alegando que o clima da região já era suficiente para dissuadir aspirantes a fugitivos --uma espécie de Sibéria argentina.

Numa cela topa-se com a reflexão de um condenado por delito passional: "Um momento de fraqueza, de ofuscamento, de imprudência no amor e todo o trabalho cai destruído por nossas próprias mãos, todo bom propósito é dispersado; todo um futuro de paz e de honradez, demolido. A única coisa que sempre fica em pé é a tragédia do remorso".

Antes de voltar para Punta Arenas, última etapa da viagem, o navio visita o glacial Nena, no fiorde Chico, quase falso de tão majestoso, e a ilha Magdalena, onde, de setembro a março, aparecem mais de 100 mil pingüins.

A chegada ao porto de Punta Arenas é lenta e meditabunda, como se fosse uma astúcia do navio para capturar as memórias dos passageiros e estocá-las, no gelo, à espera da próxima partida.

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