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03/05/2004 - 03h18

Gigantes da Patagônia seduziram viajantes

do enviado especial da Folha de S.Paulo à Patagônia

Antes de a fotografia, o rádio, o cinema e a TV aparecerem, os mitos surgiam de outra forma. Uma delas era através das viagens a países longínquos. Os viajantes faziam largo uso de seus relatos, tanto para entreter ou informar quanto para maravilhar ou enganar. E, quando ludibriavam, nem sempre estavam de má-fé, pois muitos tinham "mente curiosa, mas olhos falaciosos".

Em 1766, de volta da circunavegação do mundo, a tripulação do Dolphin, sob o comando de John Byron, tio do famoso poeta inglês, declarava a existência de gigantes na Patagônia. Apesar dos golpinhos de tosse e sorrisos contidos de alguns céticos, em poucos meses a Europa e a América passaram a acreditar nos gigantes.

A notícia era excitante e maravilhosa o bastante para ganhar credibilidade. Além disso, era capaz de entrelaçar jornalismo, filosofia, ciência e religião. Gigantes aparecem na Bíblia e em muitas culturas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, mas os da Patagônia foram vistos e conhecidos por homens igualmente lendários como Magalhães, Drake, Sarmiento e Schouten e Le Maire.

Segundo Antonio Pigafetta, que viajava com Magalhães, os navios encontraram, na margem direita do estreito, ao norte, um grupo de homens "tão altos que lhe chegávamos à cintura, sendo no demais muito proporcionados".

"Um gigante que subiu a bordo", continua Pigafetta em seu relato, "tinha os pés cobertos com pele de animal" e, quando se viu refletido num espelho, ficou assustado e "voou para trás com tal violência que derrubou três ou quatro dos nossos, que estavam ao seu lado".

Pigafetta menciona também o nome do deus nativo, Setebos, que mais tarde seria utilizado por Shakespeare em "A Tempestade". Não há muitas oportunidades para conferir a credibilidade do relato, mas, se em alguns trechos Pigafetta descreve escrupulosamente plantas e frutas que foi encontrando, em outros conta a aparição de pássaros pouco prováveis e até mesmo de santos na Argentina. Mente curiosa, mas olhos, por vezes, falaciosos.

Francis Fletcher, chapelão de bordo do navio de Francis Drake, escreve que os nativos não são tão grandes como pensava, mas Pedro Sarmiento de Gamboa, que entrou no estreito para capturar Drake (sem conseguir) volta a chamá-los de gigantes. Palavra usada também por Schouten e Le Maire, os holandeses que descobriram o cabo Horn. Eles dizem ter encontrado túmulos com esqueletos de homens que mediam cerca de 2,5 m. E já na primeira edição do relato, de 1619, aparece uma gravura mostrando a cena.

Depois dos holandeses, não se publicaram mais testemunhos diretos, mas o mito consolidou-se graças a livros e gravuras que por mais de cem anos prepararam o campo para a retomada.

As declarações da tripulação do Dolphin deflagraram em jornais e periódicos ingleses e reverberaram na França, criando discussões, acusações, retratações e sarcasmos que mantiveram viva a atenção do público por sete anos. Durante esse período foram publicados livros sobre o tema e republicados todos aqueles que mencionavam a Patagônia.

No diário anônimo de um oficial a bordo do Dolphins, a capa apresenta uma gravura com marinheiros encontrando uma família de colossos austrais. A polêmica chegou a roçar Voltaire, que, contra-atacando um adversário, em 1773, escreveu com ironia: "Você queria, talvez, me seccionar; mas considere que eu não sou um patagônio, e meu cérebro é tão pequeno que a descoberta de suas fibras não fornecerá nenhuma novidade sobre a alma".

No mesmo ano, a publicação do relato oficial da expedição, assinado pelo capitão Byron e três oficiais, pôs fim à controvérsia reconhecendo que se tratava de homens com estatura acima da média. Mente curiosa com olhos competentes. Com isso, o interesse do público rapidamente declinou.

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