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28/06/2004 - 03h07

Grande Muralha da China desafia e empolga atletas

RODOLFO LUCENA
da Folha de S.Paulo

A fortaleza toma conta do horizonte. Para a direita, espalha-se no topo das montanhas, esconde-se cinzenta pela vegetação que cobre a serra e, de repente, surge imponente. Para a esquerda, sobe a pique o morro, apequenando tudo que a cerca. A Grande Muralha da China, onde outrora guerrearam hunos, mongóis e manchus, agora é palco de outro desafio, pacífico, festivo: uma maratona.

Na praça Yin Yang, ao pé da muralha em Huangyaguan, a três horas de viagem de Pequim, um punhado de corredores vindos de 30 países espera a hora da largada. A eles foi reservado um pequeno trecho dos mais de 6.000 quilômetros da fortificação, que se espalha de leste a oeste pelo norte da China. Breve, mas perigoso: tem mais de 1.700 degraus de tamanhos diversos, áreas semidestruídas e locais com risco de desabamento.

Às 7h30, com o sol começando a vencer as nuvens, é dada a largada. Disparam cerca de 500 pessoas que enfrentariam distâncias diversas, dos 42.195 metros da maratona completa a 10 km, todas com trechos sobre a muralha. Meia hora depois, sairiam os participantes da prova de 5 km.

O início é fácil, plano. Mas logo os corredores passam sob um pórtico colorido e começa a subida da montanha. Depois de quase cinco quilômetros pelo asfalto, uma forte rampa calçada com rochas leva a um pequeno pórtico, onde uma placa de ferro diz o óbvio: entrada da Grande Muralha. A partir dali, todos correm sobre a fortificação que um dia guardou as fronteiras do Império chinês.

Essa parte da muralha foi construída há mais de 1.400 anos. Estende-se por cerca de 40 quilômetros, no topo das montanhas que se espraiam de leste a oeste pelo norte chinês. Ali, fica em média mais de 700 m acima do nível do mar. O trecho em Huangyaguan inspirou um ditado chinês: "Se um homem guardar a passagem, 10 mil não conseguirão entrar".

Além dessa área, outros trechos da muralha foram colocados em condições de receber turistas --os mais conhecidos e visitados ficam a cerca de uma hora de viagem de Pequim.

O de Huangyaguan foi recuperado no final da década de 80, e a parte aberta ao turismo tem pouco mais de três quilômetros.

As primeiras escadarias são uma beleza, com degraus em tijolos cinzentos. Os pontos de descida mais íngreme estão marcados com tinta branca. Mas nada avisa que, apesar de terem a mesma profundidade, os degraus em cada lance não são da mesma altura.

Apesar de difícil, o percurso é mais ou menos normal até a torre que marca o ponto mais alto do percurso sobre a muralha, cerca de cem metros acima do local em que os corredores entraram. A partir daí, o piso é de rochas irregulares. As passagens são estreitas, as descidas são íngremes e em vários pontos não há paredes.

Começam os trechos de fila indiana. Encostados no paredão, agarrados a um corrimão improvisado, os corredores tentam ficar o mais longe possível do lado onde não há proteção --as paredes da muralha têm em média dez metros de altura e depois ainda há muito morro para cair...

Nesse ritmo, procurando fugir de acidentes e ao mesmo tempo seguir o mais rápido possível, os maratonistas finalmente chegam ao fim do primeiro trecho. Saem da muralha, mas ainda estão no alto da montanha e precisam descer uma trilha pedregulhosa e escorregadia, com degraus irregulares cortados na montanha.

No final da descida quase a pique, os atletas voltam à cidadela onde tudo havia começado. Estão no asfalto, disputam espaço com carros, caminhões e ônibus. Correm sem proteção, cuidando para ficar no acostamento e fugir dos motoristas chineses, que parecem adorar a buzina e também são fãs da velocidade.

Logo saem do asfalto e correm em uma estreita estrada de chão batido, que margeia um rio agora seco, vazio. No leito sem água, um pastor leva suas cabras pelas pedras. Do outro lado do ex-rio, casas simples e pequenas lavouras desafiam o terreno íngreme.

E assim os corredores chegam ao primeiro vilarejo que vão atravessar no percurso fora da muralha, Duanzhuang. É uma comunidade rural pobre, mas sem favelas à vista. As casas pequenas, de tijolos, se empilham em ruelas que cruzam a via principal.

Nas soleiras das portas, moradores acompanham a passagem dos corredores. As crianças fazem a festa, cumprimentam os visitantes, gritam um "hello" cantado, a que os estrangeiros respondem com "ni hao!" em chinês castiço.

Fora da área urbana, há plantação dos dois lados da estrada. De vez em quando, ouve-se o canto de um pássaro tal qual os relógios: "Cuuu-co". Trata-se do próprio cuco, "bu qu" para os íntimos, cujo nome completo é "bu qu liao".

Em outro vilarejo, ao lado da agricultura, a criação de porcos é fonte de renda. À beira da estrada, grandes chiqueiros, antes da entrada da cidade. Diferentemente do que acontece no interior brasileiro, a comunidade não se forma a partir da igreja. Na região chinesa, escola e hospital são os prédios maiores, mais enfeitados.

Mais à frente, os corredores separam-se. Os da meia maratona começam seu retorno, os que vão cumprir 42,195 quilômetros seguem. Terão ainda muito asfalto solitário, subidas fortes, longas descidas em areião. Do ponto mais alto do percurso, no km 22, vêem as montanhas ao longe, o rio, campos limpos e lavoura.

É hora de segurar as forças. O sol já queima, o calor e a umidade aumentam o cansaço, os atletas procuram as raras sombras no caminho para facilitar a volta, diminuem o ritmo --alguns caminham de quando em quando.

Mas todos, em melhor ou pior condição, acabam chegando de volta à cidadela e ao torreão que marca o retorno à muralha.

Farão agora o caminho inverso do enfrentado quando começaram a prova. Terão de escalar a montanha e novamente enfrentar 1.750 degraus de todos os tipos e tamanhos. Não poucos vão de gatinhas, outros buscam o suporte do paredão para erguer o corpo.

Esgotados, atletas sentam nos degraus, em que camelôs aproveitam para oferecer frutas da região --principalmente uma espécie de pêra, muito branca, mas sem gosto. Cinco yuans valiam mais de meia dúzia de frutas.

Subindo e descansando, finalmente os corredores avistam, lá do alto, a estrada que vai levá-los ao ponto final. Agora é só morro abaixo. E soltam o freio nesses derradeiros quilômetros, para chegarem felizes, cada um o próprio herói, à praça Yin Yang. Ganham medalha, aplauso e festa. E levam o dragão no coração.

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