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23/08/2004 - 03h11

Itália-Brasil: Festa do Palio traduz rivalidade medieval

GUSTAVO CHACRA
da Folha de S.Paulo, em Siena

Sob o sol da Toscana, apertando-se no meio de cerca de 10 mil pessoas e sem poder ir ao banheiro por mais de cinco horas para celebrar uma velha festa da colheita. Esse esforço é para ver a Festa do Palio, que ocorre duas vezes por ano, em 2 de julho e em 16 de agosto, na Piazza Il Campo, no centro da cidade murada de Siena, com sua tradicional corrida de cavalos e o seu desfile de inspiração medieval com lançamento de bandeiras.

Mas vale a pena esse esforço. Afinal, a Festa do Palio ocorre desde o século 13 e reflete uma das mais antigas rivalidades bairristas de todo o mundo.

Siena tem 17 contradas dentro de seus muros. Cada contrada, equivale a um bairro -com dimensões bem menores. Os nomes são simpáticos, como Pantera, Tartaruga, Girafa e Torre.

Cada uma dessas contradas tem uma inimiga mortal. Por exemplo, a Loba é inimiga da Porco-Espinho, e a Águia, da Pantera. Como ao todo são 17 e cada uma tem um inimigo, sobra uma contrada: a Onda, que sonha em ser inimiga da Torre, mas é ignorada. Inimiga da Torre, só a Ganso. Além da equipe hostil, as contradas têm suas aliadas, suas amigas e as que são indiferentes. Essas relações são fundamentais para entender como funciona a corrida no dia do Palio, como veremos adiante.

Durante o ano, a contrada é o centro da vida dos sieneses, quase como um clube, mas isso não os impede de casar com uma mulher da contrada inimiga. Nem de um morador da Torre votar em um candidato a prefeito da Ganso.

Mas, na época do Palio, tudo muda. A mulher volta para a casa dos pais durante a semana que antecede a festa para evitar brigas com o marido devido à imensa rivalidade. E os "contradioli" (membros da contrada) se reúnem nas ruas para jantar juntos e analisar as estratégias para vencer o Palio. Os que deixaram Siena marcam suas férias nessa época e vêm se juntar a suas famílias.

Das 17 contradas, apenas dez podem participar da corrida. As sete que não competiram no Palio anterior e outras três que são sorteadas dentro da prefeitura. A bandeira de cada uma das participantes é hasteada e tremula na Piazza Il Campo.

Os capitães das contradas participantes escolhem os cavalos, e os jóqueis são contratados em outras partes da Itália, especialmente na Sardenha. Para ganhar ou evitar que a inimiga vença, vale tudo: subornar o jóquei adversário, fazer acordos com uma aliada e tentar até mesmo derrubar o cavalo (que corre sem sela) rival na corrida.

Para assistir ao Palio, é preciso chegar cedo a Siena. É melhor se hospedar na cidade, mas na semana do evento, que coincide com a alta temporada, fica muito caro. Muitos turistas optam por se hospedar em casas de família. Outros, como o repórter, preferem ficar em Florença e viajar uma hora de trem para participar da festa (a passagem custa 5,40).

Ao entrar pelos portões de Siena, já dá para sentir o clima.

O pai carregando a menina no colo com o pano que identifica a contrada favorita. As janelas com as bandeiras da penduradas. Jovens bebendo com os lenços de suas respectivas contradas na cabeça. Mais ou menos como uma Copa do Mundo.

Como cada rua pertence a uma contrada, é só olhar para as bandeiras hasteadas nos prédios para saber em qual região se está.

Para assistir à festa, há três opções: pagar caríssimo para ficar em uma das arquibancadas ao redor da piazza --cujos ingressos se esgotam meses antes do Palio--, ser convidado para ver os festejos de um dos prédios em festas privadas ou fazer como a maioria dos turistas: encarar o sol e ficar horas no meio da praça.

Para pegar um lugar bom, é preciso chegar ao redor das 15h, cerca de cinco horas antes da corrida. A partir das 17h30, é proibido entrar ou sair do meio da praça. Meia hora mais tarde começa o desfile, cujo ponto alto é o lançamento das bandeiras, que ficou célebre numa cena do filme "Sob o Sol da Toscana".

Para todo jovem sienese, é um grande orgulho ser um dos dois lançadores de bandeira. Os outros integrantes passam tocando tambores ou montando cavalos com armaduras e lanças. Esse ritual atravessou séculos e continua rigidamente igual.

Após o desfile, entram os cavalos que participarão da corrida, o momento máximo do Palio.

Muitos sieneses preferem ir para casa para assistir à festa. Segundo eles, é melhor, porque as imagens da TV permitem que se tenha uma noção melhor do que está ocorrendo. No meio da praça, a maioria é composta por turistas estrangeiros.

Os cavalos são chamados um a um: "Girafa, Torre, Tartaruga". Não é como em um Jóquei Clube, onde cada um fica em seu posto de largada. A partir do momento em que são chamados, já começa o empurra-empurra entre os cavalos e jóqueis.

O último animal a ser chamado já entra em alta velocidade, e a corrida tem início assim que ele se aproxima dos outros. São três voltas ao redor da praça. A corrida dura cerca de 80 segundos. A torcida se desespera. É quase impossível que pelo menos um jóquei não caia. Neste ano, na edição de julho, dois foram para o chão. A cada dez anos, dois morrem.

Mas não importa se o jóquei cai. O cavalo pode continuar sozinho e até vencer a prova. Foi justamente isso o que ocorreu em julho deste ano, com a vitória do cavalo da Girafa, para desespero da Lagarta --a contrada inimiga.

Os vencedores invadem a praça logo e comemoram por dias no seu território. Ao longo do ano, caminham com um ar de superioridade pelas ruas da cidade.

Os maiores perdedores são a contrada inimiga e a segunda colocada --é pior ser segundo do que último. Na última festa, na semana passada, a vencedora foi a Tartaruga, desta vez, para tristeza do pessoal da Caracol.

Apesar da rivalidade, os sieneses gostam de frisar que, fora dos muros, todos se unem contra o inimigo maior --Florença--, com quem no passado já travaram guerras. E gostam de salientar que Siena conseguiu manter as suas tradições enquanto em Florença, onde os turistas são tão onipresentes quanto os prédios e as esculturas históricas, pouco restou das disputas medievais.

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