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14/04/2005
-
16h02
Especial para a Folha
Para decidir quem será o novo papa, os cardeais se reunirão na capela Sistina a partir do dia 18 de abril, próxima segunda-feira. E lá está, talvez, a melhor representação da multidão de pessoas que, nesses dias, acorreram a Roma para ver o papa morto.
Na parede do altar estende-se, por 167 metros quadrados, o "Juízo Final" pintado por Michelangelo. Nele, o pulsar dos corpos que se dirigem à figura central de Cristo, ou dele desviam, lembra o acúmulo de corpos dos fiéis que ocuparam as ruas de Roma (por uma vez, ao menos, corpos em vez de carros).
A capela Sistina foi construída a partir de 1475 (o mesmo ano em que Michelangelo nasceu) e contém em si um espaço simplicíssimo: é uma única e ampla sala retangular, com as medidas que a Bíblia atribui ao templo da Salomão: 40,23 metros de comprimento e 13,41 metros de largura. O pavimento é revestido de mármores policromos e nas paredes.
Se, como escreveu Stendhal, em Roma todas as reputações ficam pequenas, isso vale mais ainda para a capela Sistina, onde a fama de Michelangelo obscureceu aquela dos outros que ali trabalharam. Nas paredes, então, há afrescos de artistas do porte de Botticelli, Ghirlandaio ou Luca Signorelli, mas poucos reparam nelas.
Ao entrar, por uma pequena porta ao lado do altar, quase todos os visitantes levantam os olhos vorazes para a abóbada, até que, virando-se satisfeitos, os abaixam em direção ao "Juízo Final".
Encarregados da segurança reprimem discretamente as exclamações de surpresa e de admiração: na capela observa-se a regra do silêncio.
Michelangelo pintou primeiro a abóbada. Iniciou em 1508, tinha 33 anos e pouca vontade de executar o trabalho que lhe foi encomendado pelo papa Júlio 2º.
Sentia-se escultor, queria enfrentar blocos de mármores, cinzéis e martelos, não cores e pincéis. Resistiu como pode-se resistir a um papa: desculpou-se, disse que aquela não era sua arte e até propôs o nome de Rafael, que também estava trabalhando nas dependências papais.
Ascanio Condivi, discípulo e biógrafo de Michelangelo, escreveu que foram os inimigos do artista que convenceram o papa a chamá-lo para fazer a abóbada.
Segundo Condivi, os inimigos de Michelangelo esperavam que ele fracassasse em pintar a imensa superfície de 680 metros quadrados, perdendo assim a estima do sumo pontífice.
Mas Michelangelo afastou todos da Sistina, colocou tapumes para que ninguém visse o que fazia e trabalhou sem interrupção, por quatro anos, com a cabeça reclinada para trás. Entregou a obra em outubro de 1512, data memorável para a história da pintura.
Na parte central do afresco, são representados episódios do Velho Testamento. Ao redor, os corpos de profetas, sibilas e outros personagens são comprimidos em um espaço exíguo, que parece inadequado. Michelangelo usava esse contraste para acentuar a monumentalidade dos movimentos e, parece, para expressar os esforços do homem para alcançar outro espaço, transcendental e divino.
Mais de 20 anos depois da abóbada, outro papa, Paulo 3º, chamou Michelangelo para pintar a parede do altar. Ele tinha 60 anos e tentou resistir outra vez, alegando que já estava comprometido com a família Della Rovere. O papa foi a sua casa acompanhado por dez cardeais e disse: "Cadê esse contrato? Quero rasgá-lo".
Para que o "Juízo Final" fosse pintado, foi coberto um afresco anterior de Perugino, mestre de Rafael, e duas lunetas executadas pelo próprio Michelangelo. Ele trabalhou mais ou menos cinco anos. A obra foi apresentada em outubro de 1541.
Na composição, há um movimento que parte do canto inferior esquerdo: são os mortos que saem das sepulturas. Quase amontoados, eles se dirigem para o alto. No centro, Cristo levanta a mão direita e os despacha para cima ou de volta para baixo.
Quase não há profundidade no afresco. Michelangelo eliminou praticamente todas as referências ao espaço para concentrar a potência visual e simbólica nos corpos, a maioria nus. Tudo parece acontecer no mesmo instante. É uma apoteose de corpos, num espaço sem existência. Sobrepostos, contorcidos, nenhum gesto é repetido.
O rosto de Jesus é totalmente diferente da iconografia que se encontra nas igrejas modernas: sem barba nem cabelo longo. Ao seu lado, no meio do tumulto, a Madonna parece um tanto assustada.
O afresco foi acolhido com admirado estupor, mas não faltaram comentários malévolos. Alguns acharam que os nus eram demais e inapropriados para uma capela papal. Tanto disseram que, depois da morte de Michelangelo, alguns véus e tecidos foram acrescentados em defesa do pudor.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre a Capela Sistina
Michelangelo ofusca mestres na Capela Sistina
VINCENZO SCARPELLINIEspecial para a Folha
Para decidir quem será o novo papa, os cardeais se reunirão na capela Sistina a partir do dia 18 de abril, próxima segunda-feira. E lá está, talvez, a melhor representação da multidão de pessoas que, nesses dias, acorreram a Roma para ver o papa morto.
Na parede do altar estende-se, por 167 metros quadrados, o "Juízo Final" pintado por Michelangelo. Nele, o pulsar dos corpos que se dirigem à figura central de Cristo, ou dele desviam, lembra o acúmulo de corpos dos fiéis que ocuparam as ruas de Roma (por uma vez, ao menos, corpos em vez de carros).
A capela Sistina foi construída a partir de 1475 (o mesmo ano em que Michelangelo nasceu) e contém em si um espaço simplicíssimo: é uma única e ampla sala retangular, com as medidas que a Bíblia atribui ao templo da Salomão: 40,23 metros de comprimento e 13,41 metros de largura. O pavimento é revestido de mármores policromos e nas paredes.
Se, como escreveu Stendhal, em Roma todas as reputações ficam pequenas, isso vale mais ainda para a capela Sistina, onde a fama de Michelangelo obscureceu aquela dos outros que ali trabalharam. Nas paredes, então, há afrescos de artistas do porte de Botticelli, Ghirlandaio ou Luca Signorelli, mas poucos reparam nelas.
Ao entrar, por uma pequena porta ao lado do altar, quase todos os visitantes levantam os olhos vorazes para a abóbada, até que, virando-se satisfeitos, os abaixam em direção ao "Juízo Final".
Encarregados da segurança reprimem discretamente as exclamações de surpresa e de admiração: na capela observa-se a regra do silêncio.
Michelangelo pintou primeiro a abóbada. Iniciou em 1508, tinha 33 anos e pouca vontade de executar o trabalho que lhe foi encomendado pelo papa Júlio 2º.
Sentia-se escultor, queria enfrentar blocos de mármores, cinzéis e martelos, não cores e pincéis. Resistiu como pode-se resistir a um papa: desculpou-se, disse que aquela não era sua arte e até propôs o nome de Rafael, que também estava trabalhando nas dependências papais.
Ascanio Condivi, discípulo e biógrafo de Michelangelo, escreveu que foram os inimigos do artista que convenceram o papa a chamá-lo para fazer a abóbada.
Segundo Condivi, os inimigos de Michelangelo esperavam que ele fracassasse em pintar a imensa superfície de 680 metros quadrados, perdendo assim a estima do sumo pontífice.
Mas Michelangelo afastou todos da Sistina, colocou tapumes para que ninguém visse o que fazia e trabalhou sem interrupção, por quatro anos, com a cabeça reclinada para trás. Entregou a obra em outubro de 1512, data memorável para a história da pintura.
Na parte central do afresco, são representados episódios do Velho Testamento. Ao redor, os corpos de profetas, sibilas e outros personagens são comprimidos em um espaço exíguo, que parece inadequado. Michelangelo usava esse contraste para acentuar a monumentalidade dos movimentos e, parece, para expressar os esforços do homem para alcançar outro espaço, transcendental e divino.
Mais de 20 anos depois da abóbada, outro papa, Paulo 3º, chamou Michelangelo para pintar a parede do altar. Ele tinha 60 anos e tentou resistir outra vez, alegando que já estava comprometido com a família Della Rovere. O papa foi a sua casa acompanhado por dez cardeais e disse: "Cadê esse contrato? Quero rasgá-lo".
Para que o "Juízo Final" fosse pintado, foi coberto um afresco anterior de Perugino, mestre de Rafael, e duas lunetas executadas pelo próprio Michelangelo. Ele trabalhou mais ou menos cinco anos. A obra foi apresentada em outubro de 1541.
Na composição, há um movimento que parte do canto inferior esquerdo: são os mortos que saem das sepulturas. Quase amontoados, eles se dirigem para o alto. No centro, Cristo levanta a mão direita e os despacha para cima ou de volta para baixo.
Quase não há profundidade no afresco. Michelangelo eliminou praticamente todas as referências ao espaço para concentrar a potência visual e simbólica nos corpos, a maioria nus. Tudo parece acontecer no mesmo instante. É uma apoteose de corpos, num espaço sem existência. Sobrepostos, contorcidos, nenhum gesto é repetido.
O rosto de Jesus é totalmente diferente da iconografia que se encontra nas igrejas modernas: sem barba nem cabelo longo. Ao seu lado, no meio do tumulto, a Madonna parece um tanto assustada.
O afresco foi acolhido com admirado estupor, mas não faltaram comentários malévolos. Alguns acharam que os nus eram demais e inapropriados para uma capela papal. Tanto disseram que, depois da morte de Michelangelo, alguns véus e tecidos foram acrescentados em defesa do pudor.
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