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26/08/2005
-
18h31
Editor de Ilustrada da Folha Online
Após conhecer o glacial Perito Moreno, o mais famoso da Patagônia argentina, era hora de percorrer o canal dos icebergs. A maior atração era Upsala, o maior glacial da região, com 597 km2, uma superfície quase três vezes o tamanho de Buenos Aires.
Peguei um catamarã em Puerto Bandera, a 47 km de El Calafate, para percorrer o chamado "canal de los témpanos". Ao longo do caminho, muitos blocos de gelo flutuando. Uma parede gigante de 800 metros de comprimento é chamada de "Boca do Diabo".
Começamos a navegar no Lago Argentino, onde encontramos o glacial Spegazzini e chegamos até a baía Onelli, cercada de montanhas e bosques. O barco atraca. Os turistas aproveitam a parada para almoçar no restaurante. Após a pausa, retomamos a viagem.
Com os ventos patagônicos e o frio severo, poucos se atrevem a subir até a parte superior da embarcação. Arrisco. É preciso ter cuidado. Basta um descuido para perder o equilíbrio, ser arrastado pelo vento e escorregar. Começa a chover.
Observar o glacial Upsala é impactante. É uma imensidão de gelo. Nas montanhas próximas do glacial, há cachoeiras alimentadas pelo seu degelo. Manchas escuras, na forma de linhas quilométricas, podem ser vistas na superfície do glacial. São chamadas de "morenas". Elas surgem devido às pedras e escombros arrastados pelo glacial.
O passeio dura o dia inteiro. Todos voltam extasiados a El Calafate. No dia seguinte, pego um ônibus e vou até El Chaltén, considerada pelos argentinos como a capital do trekking. Alugo uma bicicleta e pedalo até a base de sua principal atração, o monte Fitz Roy, que possui um dos picos mais desafiantes para escalada na cordilheira dos Andes.
Percorro bosques escondidos, encontro o rio "de las Vueltas". Sozinho, só me deparo com alguns cavalos. Tiro as botas e arrisco sentir a temperatura da água. É de rachar. Os pés ficam dormentes. Anoitece. Retorno a El Calafate.
No caminho, obras na estrada. Rodovias estão sendo abertas, alargadas, tudo para tornar a região mais acessível. Na Patagônia, os combustíveis são subsidiados pelo governo, a fim de desenvolver o turismo. Em El Calafate, há até um posto da Petrobras --o litro da gasolina custa quase a metade do preço no Brasil.
Patagônia chilena
Chegou a hora de cruzar a fronteira. Na rodoviária, pego um ônibus rumo a Puerto Natales, no Chile, onde o principal destino dos aventureiros é o parque nacional de Torres del Paine. O sotaque espanhol muda. O peso chileno tem mais zeros do que a moeda argentina. Demora até a cabeça se acostumar com os cálculos de conversão. Acho um albergue e logo planejo a ida a Torres del Paine.
No parque, sigo um grupo de poloneses que encontro no ônibus. Decidimos nos embrenhar por algumas trilhas do parque. Cruzamos um extenso campo de margaridas. Temos dois dias para o trekking. É muito pouco. Há circuitos de 15 dias. À noite, enfrentamos muito frio e chuva. Por algum erro de orientação, ficamos perdidos, mas conseguimos entrar em contato com um "guarda-parque" e voltamos à rota.
No fim da aventura, muitos arranhões, espinhos e calos nos pés. Os poloneses ficam para trás e parto rumo ao extremo sul do Chile, a cidade de Punta Arenas, onde faço uma parada de uma noite. Sigo em direção à província argentina da Terra do Fogo, onde fica Ushuaia (pronuncia-se ussuaia), considerada a cidade mais austral do planeta [chilenos reclamam o título para Puerto Williams, na ilha Navarino, base militar].
De Punta Arenas até Ushuaia, é uma viagem de quase um dia inteiro, em meio ao vazio de uma paisagem quase virgem. De balsa, o ônibus cruza o estreito de Magalhães, que já foi a única passagem natural entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
No "fim do mundo"
Ushuaia é conhecida como o "fim do mundo". Fica a 1.000 km da Antártida. No passado a cidade mantinha um presídio bastante temido, pois os condenados enfrentavam as piores condições de sobrevivência, como o frio. No famoso "trem do fim do mundo", eles eram levados para cortar árvores, vestindo roupas pouco apropriadas para o clima gélido da região.
Mas nada que se compare ao horror do extermínio dos índios pelos europeus por doenças como sarampo e sífilis. No passado, os yámanas navegavam em canoas com fogueiras acesas para se protegerem do frio. Daí, a região, visitada em 1832 pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), ficou conhecida como "terra do fogo".
Hoje, Ushuaia virou um "shopping center". Logo na entrada da cidade, há agências de bancos franceses. Tudo é para "turista ver", como o "Trem do Fim do Mundo", que ostenta hoje, sem cerimônia, a marca de uma administradora de cartão de crédito.
Transatlânticos atracados despejam milhares de turistas europeus e asiáticos, que fazem a alegria dos comerciantes de artigos de lã, artesanato indígena e chocolate --haja caixas de chocolate Mamuska, aquelas bonequinhas russas em diversos tamanhos e cores, bastante consumidos em Bariloche.
De catamarã, onde encontro uma gaúcha trabalhando como garçonete, percorro o canal de Beagle. Há ilhas de pássaros e lobos-marinhos e pingüins. Há ainda o farol "Les Eclaireurs", pintado de vermelho e branco. Fora do circuito, há um barquinho que leva à curiosa ilha H, no formato dessa letra. Nela, há um farol chamado de "culo del mundo", com um desenho de um garoto mostrando a bunda. É o humor argentino.
Sigo até um teleférico que leva à base do glacial Martial. Acompanho um grupo de mexicanos na subida do glacial. Começa a nevar. Foi a primeira vez que isso ocorreu em duas semanas de andanças pela Patagônia argentina e chilena. Era sinal de que o verão estava perto do fim.
Cansado e com resfriado, voltei para casa, desembarquei em São Paulo. Às vezes, é preciso ir ao "fim do mundo" para descobrir que não existe lugar melhor na vida que a cama da gente.
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SÉRGIO RIPARDOEditor de Ilustrada da Folha Online
Após conhecer o glacial Perito Moreno, o mais famoso da Patagônia argentina, era hora de percorrer o canal dos icebergs. A maior atração era Upsala, o maior glacial da região, com 597 km2, uma superfície quase três vezes o tamanho de Buenos Aires.
Arquivo pessoal |
Turista se protege do vento em frente ao glacial Upsala |
Começamos a navegar no Lago Argentino, onde encontramos o glacial Spegazzini e chegamos até a baía Onelli, cercada de montanhas e bosques. O barco atraca. Os turistas aproveitam a parada para almoçar no restaurante. Após a pausa, retomamos a viagem.
Com os ventos patagônicos e o frio severo, poucos se atrevem a subir até a parte superior da embarcação. Arrisco. É preciso ter cuidado. Basta um descuido para perder o equilíbrio, ser arrastado pelo vento e escorregar. Começa a chover.
Arquivo pessoal |
Rio corta El Chaltén, a 220 km de El Calafate |
O passeio dura o dia inteiro. Todos voltam extasiados a El Calafate. No dia seguinte, pego um ônibus e vou até El Chaltén, considerada pelos argentinos como a capital do trekking. Alugo uma bicicleta e pedalo até a base de sua principal atração, o monte Fitz Roy, que possui um dos picos mais desafiantes para escalada na cordilheira dos Andes.
Percorro bosques escondidos, encontro o rio "de las Vueltas". Sozinho, só me deparo com alguns cavalos. Tiro as botas e arrisco sentir a temperatura da água. É de rachar. Os pés ficam dormentes. Anoitece. Retorno a El Calafate.
No caminho, obras na estrada. Rodovias estão sendo abertas, alargadas, tudo para tornar a região mais acessível. Na Patagônia, os combustíveis são subsidiados pelo governo, a fim de desenvolver o turismo. Em El Calafate, há até um posto da Petrobras --o litro da gasolina custa quase a metade do preço no Brasil.
Patagônia chilena
Arquivo pessoal |
Parque de Torres del Paine é um dos tesouros chilenos |
No parque, sigo um grupo de poloneses que encontro no ônibus. Decidimos nos embrenhar por algumas trilhas do parque. Cruzamos um extenso campo de margaridas. Temos dois dias para o trekking. É muito pouco. Há circuitos de 15 dias. À noite, enfrentamos muito frio e chuva. Por algum erro de orientação, ficamos perdidos, mas conseguimos entrar em contato com um "guarda-parque" e voltamos à rota.
Arquivo pessoal |
Catamarã leva à colônia de pingüins |
De Punta Arenas até Ushuaia, é uma viagem de quase um dia inteiro, em meio ao vazio de uma paisagem quase virgem. De balsa, o ônibus cruza o estreito de Magalhães, que já foi a única passagem natural entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
No "fim do mundo"
Arquivo pessoal |
Ushuaia explora a fama do "fim do mundo" |
Mas nada que se compare ao horror do extermínio dos índios pelos europeus por doenças como sarampo e sífilis. No passado, os yámanas navegavam em canoas com fogueiras acesas para se protegerem do frio. Daí, a região, visitada em 1832 pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), ficou conhecida como "terra do fogo".
Arquivo pessoal |
Correio de Ushuaia exibe figuras de antigos prisioneiros |
Transatlânticos atracados despejam milhares de turistas europeus e asiáticos, que fazem a alegria dos comerciantes de artigos de lã, artesanato indígena e chocolate --haja caixas de chocolate Mamuska, aquelas bonequinhas russas em diversos tamanhos e cores, bastante consumidos em Bariloche.
Arquivo pessoal |
Farol Les Eclaireurs é o mais visitado da Terra do Fogo |
Arquivo pessoal |
Teleférico leva ao glacial Martial; degelo cria riachos |
Cansado e com resfriado, voltei para casa, desembarquei em São Paulo. Às vezes, é preciso ir ao "fim do mundo" para descobrir que não existe lugar melhor na vida que a cama da gente.
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