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09/03/2006
-
12h33
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Moscou
Está um pouco para lá da Europa, um pouco para cá da Ásia. Para os siberianos, é "o Oeste"; para seus moradores, é a Cidade Mãe. Foi também chamada de Terceira Roma quando adotou o cristianismo ortodoxo e era até recentemente o centro de um dos maiores impérios do planeta.
Em Moscou, a dimensão simbólica muitas vezes ultrapassa a realidade. A mera menção de seu nome evoca algo maior do que uma simples capital, tanto para os russos quanto para os estrangeiros. Objeto de desejo de Exércitos inimigos, envolta em mistério para quem vem de fora; para seus moradores, é o lugar da pureza do sangue e do solo da Rússia.
Como nenhum outro local, a cidade reflete as ambigüidades desse país, onde brutalidade e delicadeza são inseparáveis. Capaz de produzir armas atômicas e passos de balé, é responsável por um dos maiores legados culturais da humanidade. Não se escreve a história da cultura sem nomes complicados como Rachmaninov, Dostoiévski e Nijinski.
Compreender a Rússia significa compreender também a dicotomia entre Moscou e São Petersburgo, como as duas faces de uma moeda. Se São Petersburgo está voltada para o Ocidente, em Moscou reside a tradição genuinamente russa. Se uma é o centro cultural, a outra é o centro político e religioso. Se aquela é a cabeça da Rússia, esta é seu coração.
Conhecê-la não é somente uma experiência de deleite visual. Moscou faz rever conceitos políticos e estéticos, exige a todo momento uma interpretação de sua própria história, construída por uma incrível capacidade humana de transformação.
Da Rússia czarista, passando pelo período soviético e assimilando o mundo moderno em apenas um século, três cidades parecem ter sido construídas no mesmo lugar. No entanto, em vez de desconfigurar a cidade, essa conturbada história de sucessivas e violentas mudanças criou uma cidade de identidade própria, onde catedrais do século 15 dividem espaço com monumentos comunistas, onde déspotas brutais conviveram com gênios da arte e onde a aparente frieza de seu povo rapidamente dá lugar ao espírito de diversão.
E o momento é de ebulição. Quinze anos depois do colapso da União Soviética, Moscou agora experimenta as liberdades e as desilusões do capitalismo, que aqui chegou de forma avassaladora. Quem esteve em Moscou há dez anos vai encontrar agora uma metrópole frenética. As lojas de departamentos deram lugar a butiques de marcas famosas, a vida noturna é uma das mais agitadas da Europa (se estamos na Europa). Há hotéis luxuosos e modernos, e arranha-céus são construídos para abrigar empresas dos mais diversos setores.
Com a febre das mudanças também chegaram o abismo social (é a cidade com o maior número de bilionários do mundo!) e o consumismo. Uma nova geração, para quem Stálin, Brejnev e Gorbatchov são múmias de museu, está ávida por novidades do mundo da moda e da música. A propaganda oficial do partido deu lugar a imensos outdoors com mulheres estonteantes vendendo o passaporte da felicidade.
Mas os resquícios ainda são perceptíveis. A lendária burocracia russa persiste nas esferas públicas, incrementada pela corrupção. Bustos de Lênin estão nas praças, e liberdade total de imprensa é uma utopia. O metrô já não custa quase nada, mas a ligação telefônica local ainda é grátis.
Neste caldeirão o lugar do belo está garantido. Como as cúpulas douradas das catedrais do Kremlin sob a luz límpida do inverno, a beleza salta aos olhos em meio ao trânsito e à poluição. Está nos palácios dos czares, no magnífico metrô, na rica cozinha, nos clubes noturnos, nos ícones religiosos, nas bonecas "matriushkas", nos preciosos museus, nos monumentos soviéticos, no passo das bailarinas.
E agora, mais do que nunca, essas belezas estão à disposição do viajante; nunca foi tão fácil visitar a Rússia. Lembre-se de que no passado Moscou sempre resistiu aos invasores. Hoje, já que você não pretende derrotar o Exército Vermelho, a cidade se oferece.
Tuca Vieira hospedou-se a convite da operadora de turismo Tchayka
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Rússia: Visitante capta transformações na história de Moscou
TUCA VIEIRAEnviado especial da Folha de S.Paulo a Moscou
Está um pouco para lá da Europa, um pouco para cá da Ásia. Para os siberianos, é "o Oeste"; para seus moradores, é a Cidade Mãe. Foi também chamada de Terceira Roma quando adotou o cristianismo ortodoxo e era até recentemente o centro de um dos maiores impérios do planeta.
Tuca Vieira/Folha Imagem |
Transeuntes diante da Catedral de São Basílico |
Como nenhum outro local, a cidade reflete as ambigüidades desse país, onde brutalidade e delicadeza são inseparáveis. Capaz de produzir armas atômicas e passos de balé, é responsável por um dos maiores legados culturais da humanidade. Não se escreve a história da cultura sem nomes complicados como Rachmaninov, Dostoiévski e Nijinski.
Compreender a Rússia significa compreender também a dicotomia entre Moscou e São Petersburgo, como as duas faces de uma moeda. Se São Petersburgo está voltada para o Ocidente, em Moscou reside a tradição genuinamente russa. Se uma é o centro cultural, a outra é o centro político e religioso. Se aquela é a cabeça da Rússia, esta é seu coração.
Conhecê-la não é somente uma experiência de deleite visual. Moscou faz rever conceitos políticos e estéticos, exige a todo momento uma interpretação de sua própria história, construída por uma incrível capacidade humana de transformação.
Da Rússia czarista, passando pelo período soviético e assimilando o mundo moderno em apenas um século, três cidades parecem ter sido construídas no mesmo lugar. No entanto, em vez de desconfigurar a cidade, essa conturbada história de sucessivas e violentas mudanças criou uma cidade de identidade própria, onde catedrais do século 15 dividem espaço com monumentos comunistas, onde déspotas brutais conviveram com gênios da arte e onde a aparente frieza de seu povo rapidamente dá lugar ao espírito de diversão.
E o momento é de ebulição. Quinze anos depois do colapso da União Soviética, Moscou agora experimenta as liberdades e as desilusões do capitalismo, que aqui chegou de forma avassaladora. Quem esteve em Moscou há dez anos vai encontrar agora uma metrópole frenética. As lojas de departamentos deram lugar a butiques de marcas famosas, a vida noturna é uma das mais agitadas da Europa (se estamos na Europa). Há hotéis luxuosos e modernos, e arranha-céus são construídos para abrigar empresas dos mais diversos setores.
Com a febre das mudanças também chegaram o abismo social (é a cidade com o maior número de bilionários do mundo!) e o consumismo. Uma nova geração, para quem Stálin, Brejnev e Gorbatchov são múmias de museu, está ávida por novidades do mundo da moda e da música. A propaganda oficial do partido deu lugar a imensos outdoors com mulheres estonteantes vendendo o passaporte da felicidade.
Mas os resquícios ainda são perceptíveis. A lendária burocracia russa persiste nas esferas públicas, incrementada pela corrupção. Bustos de Lênin estão nas praças, e liberdade total de imprensa é uma utopia. O metrô já não custa quase nada, mas a ligação telefônica local ainda é grátis.
Neste caldeirão o lugar do belo está garantido. Como as cúpulas douradas das catedrais do Kremlin sob a luz límpida do inverno, a beleza salta aos olhos em meio ao trânsito e à poluição. Está nos palácios dos czares, no magnífico metrô, na rica cozinha, nos clubes noturnos, nos ícones religiosos, nas bonecas "matriushkas", nos preciosos museus, nos monumentos soviéticos, no passo das bailarinas.
E agora, mais do que nunca, essas belezas estão à disposição do viajante; nunca foi tão fácil visitar a Rússia. Lembre-se de que no passado Moscou sempre resistiu aos invasores. Hoje, já que você não pretende derrotar o Exército Vermelho, a cidade se oferece.
Tuca Vieira hospedou-se a convite da operadora de turismo Tchayka
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