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23/05/2011 - 01h34

Repórteres seminus pelas diretas em plena Redação

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RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O comício estava marcado para o meio da tarde, mas, muito antes, os repórteres começaram a deixar a Redação --sozinhos, aos pares, aos grupos, às dezenas--, loucos para chegar lá. Alguns não quiseram esperar pelos carros do jornal e foram a pé.

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Esse lá era a praça da Sé, onde se daria um comício em que as estrelas da oposição brasileira iriam pedir a volta das eleições diretas para presidente da República.

Um ato simples, hoje corriqueiro --políticos sobem a um palanque para reivindicar alguma coisa. Mas que não tinha nada de corriqueiro naquele dia, 25 de janeiro de 1984. Para Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas, Lula e outros, era a hora. Talvez em nenhum momento da vida brasileira desde 1964 (exceto a Passeata dos 100 mil, a 26 de junho de 1968, no Rio) a oposição à ditadura estivesse tão confiante, respaldada e robustecida --e soubesse disso.

Os jornalistas sentiam a vibração no ar, e não teria adiantado às chefias pedir isenção, frieza, objetividade --todo mundo ali, repórteres e fotógrafos, estávamos fartos dos militares, dos tecnocratas que governavam por eles e de certos políticos que ameaçavam sucedê-los, como Paulo Maluf. Estávamos ali para observar e tomar notas. Mas como exigir isenção se ninguém naquela malta (e eram mesmo centenas de milhares) tinha ido à Sé para vaiar, só para aplaudir?

Não quis subir ao palanque. Preferi ver tudo de baixo, em meio às pessoas. De repente, começou a chover, mas ninguém arredou pé. Repórteres intrépidos, sem medo do clichê, escreveriam depois que a chuva lavou também a alma da multidão. A minha, por exemplo, tomou vários banhos no comício e, por sorte, era possível trocar a camisa molhada por camisetas secas, com dizeres pelas diretas, que militantes mais expeditos vendiam.

Já de noite, voltamos eufóricos ao jornal para escrever --eu, com meia dúzia de camisetas molhadas enfiadas no cinto e uma no corpo, também úmida. Ao chegar à Agência Folhas e sentar-me à máquina, não tive dúvidas: tirei a camiseta, fiquei de peito nu e comecei a batucar.

A etiqueta de 1984 na Folha recomendava que não se ficasse seminu na Redação. Mas, naquele momento, havia coisas mais importantes a considerar: o comício, a matéria, o fechamento. E estava compenetrado, voltado para as teclas, quando, sentindo-me observado, levantei os olhos. De pé, na porta da agência, a dois metros de mim, nada menos que "seu" Frias --Octavio Frias de Oliveira, o publisher do jornal.

Olhava como se não acreditasse. Um repórter seminu na Folha. Não sei se lhe ocorreu dizer alguma coisa, talvez tivesse ficado paralisado pela surpresa. Afinal, nunca até então. Não sei também se era caso para justa causa. Só sei que, de repente, notei que seu olhar mirava alguém ou alguma coisa atrás de mim. E, num gesto automático, resolvi olhar também.

Virei-me e, três fileiras de mesas às minhas costas, outro repórter vítima da chuva tirara a camiseta e estava de peito nu. Era Ricardo Kotscho, o nº 1 do jornal, a grande admiração de "seu" Frias.

Quando me virei de novo, "seu" Frias já não estava mais lá. Elegantemente, fingiu não ter visto nada. Apesar dos repórteres impertinentes, uma nova Folha nasceu da edição das diretas.

 

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