A vida de Sofia Santos Vasconcelos, 10, era diferente e quase sem graça, como ela diz. Entre receitas e pratos, podia, no máximo, ajudar com colheradas de açúcar e farinha. Com a quarentena e mais tempo ao lado da mãe, tudo mudou da água para o vinho.
“Quando eu era menor, com sete anos, minha mãe não me deixava cozinhar. Achava que eu ia fazer muita bagunça. Daí fui crescendo e pegando esse dom. Antes, eu não conseguia nem quebrar ovo, então foi uma evolução”, explica.
A família de Sofia é uma entre as muitas que vêm aproveitando o isolamento para se dedicar à culinária em família. “Antes minha rotina de cozinhar era muito louca porque eu saía às 7h30 de casa. Com isso, a Sofia não participava de nada”, conta a gerente de projetos Andréia Cristiane Vasconcelos, 42.
Agora que Andréia trabalha em casa e Sofia está em férias da escola, as duas têm feito variadas incursões à cozinha, com frequência que chega a até quatro vezes por semana de receitas compartilhadas, ou mesmo da menina pilotando sozinha as tigelas.
"Tudo começou comigo e meu marido pensando em como ocupar o tempo dela. Um dia vi uma receita muito legal de pizza com farinha de amêndoas. Resolvemos fazer”, lembra a mãe. “Ficou maravilhosa, e passei a incentivá-la a buscar mais”.
Sofia já fez brigadeiro sozinha, cookies, waffle, e sempre lava a louça depois. “Eu ligo o fogão para ela, coloco e tiro coisas do forno. Não deixo abrir latas, usar tesoura, nem ficar cortando coisas, ainda”, completa Andréia, que diz que o novo hábito trouxe controle da ansiedade e organização à filha.
No caso dos chefinhos Francisco e José Coelho Amabis, de seis e três anos, respectivamente, os pratos favoritos são os pães e as pizzas. “Eles gostam de fazer coisas em que possam mexer com mais liberdade”, explica a mãe, a chef Bel Coelho, 40, do paulistano Clandestino.
Embora ainda não façam nada sem supervisão, por conta da pouca idade, os irmãos gostam de subir em bancos e participar dos preparos. “A quarentena intensificou esses momentos. Incluir filhos na cozinha tem que acontecer sempre que estivermos com mais tempo e paciência, para não virar um processo estressante”, ensina Bel.
A chef conta que a culinária teve um papel afetivo “gigantesco” em sua história. “Por causa dele, escolhi essa profissão. Para os meus filhos, eu desejo simplesmente que tenham uma relação saudável com a comida e com o ato de cozinhar”, diz.
Como ainda são bem pequenos, Francisco e José até podem mexer com panelas, mas sempre com Bel do lado. “Eles ajudam a cortar, mas mais o Chico, claro. E também assistem muito. Às vezes param no meio e se desinteressam, mas voltam e ficam até o final”.
Se antes da quarentena Antonio Aldaz Bronze achava perda de tempo ir para a cozinha com o pai, preferindo aproveitar as horas de folga com brincadeiras, agora o menino de seis anos é o primeiro a fazer o convite: “Papai, vamos cozinhar juntos?”.
“Nem chocolate é mais gostoso que isso”, resume Felipe Bronze, 42, chef de cozinha, dono dos restaurantes Oro, no Rio de Janeiro, e Pipo, em São Paulo. “Agora passo praticamente 80% do meu tempo com ele, e cozinhando duas, às vezes até três vezes ao dia”.
Antonio é fã de churrasco e macarrão. Ainda não cozinha nada sozinho, mas já começou a misturar bolos e brigadeiros. “No fogão sozinho ainda não tenho coragem. Sou um pai protetor, podem me julgar”, brinca Bronze.
“O fundamental é gostar de comer. É impossível para uma criança se interessar por comida sem ter prazer e curiosidade em provar. Eu respeito o tempo dele, não forço nada. Tento gerar curiosidade, vou aos poucos mostrando como fazemos as coisas. Estar cozinhando em casa direto tem ajudado muito nisso”.
O chef lembra que, na casa de seu pai, festas e reuniões sempre se relacionaram à comida. “Meu interesse veio do encontro do prazer em comer com a alegria de estar junto das pessoas que amamos.
O Antonio gosta de mexer panela, passar as coisas pra mim, nada muito significativo. Mas só de estar perto, já muda tudo”.
Veja 5 dicas para cozinhar junto com crianças
- Não deixe crianças participarem da parte da receita que vai ao fogo ou forno, mantendo-as a uma distância segura.
- Não dê facas nem outros instrumentos cortantes, como raladores e descascadores, para as crianças. Os adultos podem preparar os alimentos, picando os ingredientes, e as crianças adicionam na receita.
- Escolha um lugar seguro para as crianças ficarem durante a realização da receita, de preferência um lugar de onde elas possam observar o preparo.
- Não deixe potes de vidro ou travessas que podem quebrar próximo dos pequenos. Se possível, use potes de plástico para que eles tenham mais autonomia no uso.
- Ao utilizar recipientes que podem quebrar, os adultos devem auxiliar as crianças no manuseio.
*Dicas de Luna Camargo Penna, educadora pela Unicamp e especialista em arte educação pela USP
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.