Disney+ chega ao Brasil com avisos de racismo antes de desenhos

Textos de advertência foram atualizados em outubro no canal americano

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O gênio gigante e azul observa Aladdin e sua amada voando num tapete mágico

Os personagens da animação 'Aladdin', lançada pela Disney em 1992 Divulgação

Los Angeles

O Disney+, serviço de streaming dos megapoderosos estúdios Disney, chega ao Brasil nesta terça-feira (17) com uma novidade: a autocrítica.

A empresa, que vende uma imagem de valores familiares, liberais (mesmo aos poucos) e de diversidade, chega ao país com diversos filmes e animações clássicas com um aviso alertando o espectador de que a obra “inclui representações negativas e/ou tratamento incorreto de pessoas ou culturas.”

O texto que antecede certos desenhos, como “Peter Pan” (1953) e “Dumbo” (1941), é mostrado na tela por 12 segundos e não pode ser pausado ou evitado. A assessoria da Disney confirmou que a versão brasileira do Disney+ trará a contextualização em português, mas não enviou o conteúdo oficial —curiosamente, um dia antes da estreia, os avisos deixaram de aparecer para este repórter nos Estados Unidos.

Peter Pan faz troça andando cima da espada do Capitão Gancho, que aparece irritado
Peter Pan e o Capitão Gancho, personagens do filme de 1953 - Divulgação

A tradução livre da advertência diz: “Esses estereótipos eram errados no passado e são errados hoje em dia. Em vez de eliminarmos esse conteúdo, queremos reconhecer seu impacto prejudicial, aprender com isso e provocar discussões para criarmos um futuro mais inclusivo juntos.”

O aviso foi inserido em outubro passado, depois dos protestos que mobilizaram milhões de pessoas nos EUA contra os constantes ataques desproporcionais da polícia norte-americana contra membros da comunidade negra. Antes disso, havia apenas a mensagem “Esse programa é apresentado como foi originalmente criado. Pode conter representações culturais ultrapassadas.”

Ao atualizar a advertência, a Disney deu um passo importante para assumir erros do passado, alguns distantes, outros nem tanto —“Aladdin”, por exemplo, foi lançado em 1992 com uma música generalizando o Oriente Médio como terra de bárbaros. A grande maioria dos desenhos com a nova estampa, contudo, é de meados do século passado.

“Dumbo” é um deles. A animação do elefantinho com orelhas gigantes traz um grupo de corvos malandros cujo líder se chama Jim Crow. Crow é “corvo” em inglês, mas o nome também é o mesmo das leis de opressão e segregação contra os negros no sul dos Estados Unidos em parte do século 19.

“Os corvos e o número musical prestam homenagem a shows racistas em que artistas brancos com rostos enegrecidos e roupas esfarrapadas imitavam e ridicularizavam escravos africanos em plantações sulistas”, diz o texto de admissão de culpa feita pela própria Disney no site “Stories Matter” (“Histórias Importam”) que é promovido no aviso.

O elefante Dumbo conversa com um ratinho
Cena do desenho animado 'Dumbo', de 1941 - Divulgação

Essa foi uma das medidas adotadas pelo estúdio em busca de um equilíbrio entre obras que refletiam uma época com seus erros com a evolução dos direitos das minorias. Segundo o site, a empresa agora está trabalhando com a Associação de Críticos de Cinema Afro-Americanos, Aliança Gay e Lésbica Contra Difamação (GLAAD), Associação de Produtores Latinos Independentes e organizações de proteção de nativos-americanos e asiáticos.

Mas não esperem que a Disney resgate o musical “Canção do Sul” (1946), que nunca foi lançado para home entertainment por retratar o sul escravagista dos Estados Unidos como um lugar idílico onde patrões e escravos tinham uma relação cordial e alegre.

Ou que o clássico “Fantasia” (1940) ganhe o corte original que mostra uma centauro negra escovando os cascos de sua colega branca. Há limites para tudo. Até para os avisos antirracistas.

Vá com calma

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Fantasia (1940)
Apesar da cena mais controversa (uma centauro negra escovando os cascos de uma branca) ter sido cortada há anos, a obra-prima de Walt Disney ainda continua com o aviso de “representação ultrapassada”.

Dumbo (1941)
O líder dos corvos do desenho se chama Jim Crow, mesmo nome das leis de segregação racial em voga no sul dos EUA em boa parte do século 19. O quadro musical é uma homenagem aos shows nos quais artistas brancos pintavam os rostos de negro para fazer piadas com escravos.

Alô, Amigos (1942)
Não há nada muito ofensivo para quem é latino-americano, mas a representação pode ser encarada como datada —obviamente, para um filme de quase 80 anos.

Zé Carioca e amigos usando chapéus mexicanos no Brasil sorriem para a câmera
Capa do antigo DVD de 'Você Já Foi à Bahia?' (1944) mostra os personagens com chapéus mexicanos - Reprodução

Você já foi à Bahia? (1944)
Nesta animação, Pato Donald viaja com Zé Carioca por América Latina bem estereotipada —o Brasil é, basicamente, uma grande selva.

Peter Pan (1953)
A animação apresenta estereótipos rasos de indígenas que falam uma língua ininteligível. Eles também são chamados com o termo ofensivo “peles-vermelhas”.

A Dama e o Vagabundo (1955)
Traz um par de gatos malvados siameses com traços asiáticos exagerados. Além disso, cães que são personagem secundários propagam fisicalidades raciais estereotipadas.

O Vagabundo e a Dama dividem um prato de macarronada
Cena famosa de 'A Dama e o Vagabundo', de 1955 - Divulgação

A Cidadela dos Robinsons (1960)
Neste filme, os piratas que ameaçam a família são são representados por atores brancos com peles pintadas de amarelo ou marrom e reforçam a ideia de barbarismo asiático com linguagens ininteligíveis.

Mogli (1967)
O personagem do Rei Louie é um orangotango que canta jazz e bebop, estilos basicamente dominados por músicos negros na época. Louie é considerado um estereotipo racista de afro-americanos.

Aristogatas (1970)
Um gato siamês é uma caricatura antropomórfica de um asiático, com traços exagerados e sotaque forçado. Dublado por um homem branco, ele toca piano com hashis. A letra da música ainda tira sarro da língua chinesa

Aladdin (1992)
Apesar da música “Arabian Nights” ter sido alterada logo depois do lançamento da animação, o retrato do oriente como uma terra bárbara e repleta de perigos ainda permanece.

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