Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

Para onde a vida vai depois que ela acaba?

Artistas falam da morte, de medos e do que acham que acontece no fim

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São Paulo

Quando um bebê ainda é bem pequeno, os adultos ensinam a ele vários gestos, e um dos primeiros é abrir a mãozinha e balançá-la para os lados, dando tchau. Não importa o lugar do planeta em que nasceu: todo mundo aprendeu a sinalizar o adeus quando provavelmente ainda não sabia nem falar ou andar.

Faz parte da vida se despedir das coisas e das pessoas. Partidas, viagens e mudanças vão sempre acontecer. Então, por que será que é tão difícil, para qualquer pessoa, dar adeus quando chega a principal despedida da vida de alguém?

Folhinha conversa sobre morte com as crianças
Depois da morte, artistas acreditam que a vida de quem se foi continua pelo amor de quem fica - Catarina Pignato

Na escola se aprende que tudo que é vivo morre. E, às vezes, não é preciso nem esperar pela sala de aula, porque a lição acontece em casa mesmo. Pode ser uma plantinha que murcha, um animal de estimação que fica doente e não volta do veterinário, ou mesmo alguém da família que morre e deixa saudade.

A psicanalista Daniela Sanches, doutora em psicologia clínica pelo IPUSP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), explica por que pode ser tão doído pensar na morte de uma pessoa amada.

“Dói porque quem a gente gosta está sempre falando com a gente, traduzindo o mundo pra gente, e explicando como as coisas funcionam. Essas pessoas nos oferecem as cores que o mundo tem”, resume Daniela.

“E a gente vai entendendo que quem a gente gosta nunca vai poder sair daquele lugar. Fica difícil pensar que um dia pode ser que essa pessoa não esteja mais lá. Dói pensar que um dia vai ser preciso pensar o mundo sem a tradução dessa pessoa.”

Com a pandemia do coronavírus, a morte se tornou um assunto mais frequente no noticiário. As famílias, então, acabam conversando mais sobre isso —até porque muitas delas também passaram pela experiência da morte por causa da doença.

A psicanalista Daniela explica que é comum ter medo não só da morte dos outros, mas também da nossa. “A morte é um assunto que faz parte do universo. E é tudo bem perguntar sobre isso para os adultos”, diz.

“Quando conversamos, descobrimos que os adultos eram crianças e também tinham medos. Mesmo que eles não saibam nos responder sobre a morte, a gente pode perguntar o que eles fizeram com os medos deles. Talvez tenham mantido esse medo em segredo, e toda vez que um medo é mantido em segredo é mais difícil de ele ir embora.”

A atriz Melissa Panzutti lembra que, quando criança, tinha medo da morte de todo mundo que gostava, desde os avós até o cachorro. Ela diz que ainda tem um pouco, mas que “algo mudou”. “Descobri que o amor continua depois da morte”, fala.

“Quando eu penso nas pessoas que se foram, eu conto uma história deles e é uma forma de eles estarem vivos dentro de mim. Assim, sempre estão perto, mesmo que de uma forma diferente.”

Melissa e o Coletivo Bassusseder estão em cartaz até domingo (25) com uma peça online gratuita chamada “Como Enganar a Morte” (ingressos via Sympla). Os atores usam projeções de sombra para contar três histórias curtas sobre pessoas que tentam escapar do seu destino.

Para Melissa, o receio de falar e até de pensar na morte existe porque as pessoas pensam que são diferentes da natureza, esquecendo que são parte dela. “A folha que cai se transforma em adubo, o dia se vai para a noite chegar. É um ciclo. Às vezes, sentimos que podemos controlar a natureza, mas somos como ela, viemos e vamos.”

Foi observando os animais que o ator Tucci Fattore escreveu a letra da música “Pra Onde Vai a Vida”, que seu grupo, a Trupe Pé de Histórias, lança neste sábado (24). “Meus filhos estavam brincando na praia e, ali perto, tinha uns urubus comendo um peixe”, lembra.

“Eram muitos urubus, e o peixe era bem pequenininho. Aquilo me tocou. Pensei que todo mundo um dia iria embora, e que a vida finda, sempre”, explica Tucci.

A canção pergunta o que será que acontece com os urubus depois que eles morrem, ou com as larvas da mosca, os bigatos. E compara a morte a um parque fechado e a um sorvete tomado —nas duas situações, o que se conhecia não existe mais.

“Pra Onde Vai a Vida” já fazia parte do roteiro de uma das peças da Trupe, a “Já Elvis”, que mostra o encontro da protagonista Nina com Elvis Presley. A menina pergunta ao cantor famoso o que acontece depois que a vida acaba. Agora, a Trupe apresenta a gravação da música, disponível no Spotify.

“Independentemente de para onde a nossa morte vai nos levar, o que vai ficar de nós na memória dos outros é o amor, o que eles sentem por nós. A saudade é uma maneira de eternizar a vida das pessoas”, acredita Tucci.

O escritor Marcos Bagno lembra que tinha muito medo de morrer quando era pequeno. “Às vezes, deitado na cama na hora de dormir, eu me dizia ‘um dia vou morrer’, e sofria muito com essa ideia. Ficava pensando em todas as coisas que não poderia fazer, os livros que não ia poder ler, os lugares que não ia visitar”, diz.

“A nossa grande tarefa, enquanto vamos crescendo, é aprender a lidar com isso de maneira serena, para que possamos aproveitar a vida ao máximo, mas sem sofrer porque um dia vai acabar.”

Marcos acaba de lançar “O Sopro do Leão” (Edições Olho de Vidro, 48 páginas, R$ 52,90), livro em que conta a história de um neto e seu avô. Depois de um período doente, vovô morre e deixa uma boia repleta com seu fôlego lá dentro.

“Eu diria que sofrer faz parte da vida, faz parte de crescer e amadurecer, e que é preciso passar por essas experiências para tirar delas algum ensinamento”, acredita o escritor.

“Uma pessoa querida que morre deixa muitas marcas na gente, contribui para o nosso crescimento, dá algumas pistas que vão ser importantes para nós o resto da vida. Ela fica na lembrança, na voz das outras pessoas que falam dela, habita a nossa memória e nos ajuda a seguir em frente.”

A psicóloga Daniela revela que as crianças têm um “superpoder” que os adultos já perderam: conseguir falar sobre a morte, sobre a dor e sobre o medo dela de maneiras diferentes. “Pode ser desenhando, escrevendo histórias, cartas. Isso ajuda a organizar as coisas”, diz.

“A partir do momento em que tem espaço para falar da tristeza, a dor se transforma. Aí a gente se lembra de quem já se foi, do bolinho da vó, da cor que a mãe mais gostava de usar. E isso vem com alegria porque vem como lembrança, e não como um buraco do qual não se pode falar”, ensina Daniela.

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