Tempo de telas e limites viram tema de conversa entre crianças e adultos

Estudo mostra que brasileiros são os terceiros mais 'viciados' do mundo

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São Paulo

Pesquisadores do Reino Unido descobriram algo que vai te deixar de boca aberta. Sabe quando sua família diz que você está passando muito tempo no celular, no computador e no videogame? Pois parece que eles estão certos: você —e todas as crianças brasileiras— tem realmente ficado horas demais em frente às telas.

De acordo com a pesquisa, feita por profissionais do Lenstore Vision Hub, o Brasil é o terceiro país em um ranking que classificou aqueles que mais dão preferência aos dispositivos eletrônicos e menos curtem atividades ao ar livre.

Para chegar a esse resultado, foram medidos índices de obesidade infantil, níveis de exercício físico e... claro, o tempo gasto na internet.

Folhinha ouve crianças de variadas idades sobre suas rotinas diante das telas (celular, computador, tablet, videogame e TV) para saber quanto tempo elas passam por dia usando os dispositivos, e se elas acham que essa quantidade de horas é pouca, boa ou muita. As famílias, por sua vez, confirmam ou rebatem o tempo dito pelas crianças e contam como é quando chega a hora de desligar as telas todos os dias
Catarina Pignato

Nessa equação, que mostra quem é mais viciado em tecnologia, só ficam à frente dos brasileiros os moradores dos Emirados Árabes e dos Estados Unidos. A Índia é o país onde a relação dos pequenos com as telas é mais saudável.

Maria Gabriela Guidugli, psicanalista e psicóloga que atende crianças em São Paulo, explica que não existe um limite saudável de horas que valha para todo mundo. "Cada criança é uma criança", resume.

"Tem criança que fica duas horas na frente de telas e depois disso ela mesma tem necessidade de mexer o corpo, já larga sozinha os dispositivos para ir brincar. E tem criança que fica seis horas jogando e, se deixar, não vai querer parar. Cada criança tem uma necessidade e um estilo."

Maria Gabriela fala que cabe aos adultos perceber se aquele total de horas combinado está sendo muito ou pouco, e se a criança muda de comportamento por causa dele. "Atendi uma criança que começou a se recusar a ir às festas de amigos, ou até ia, mas ficava na festa pensando sobre que horas conseguiria jogar", lembra a psicóloga.

Na casa do Bernardo, de 8 anos, em Porto Alegre, não há videogame —de resto, todos os dispositivos são liberados.

"Uma vez a minha mãe me deixou usar quatro horas por dia o tablete. Para os outros dispositivos eu não tenho limite", conta. "Meus pais são uns anjos, perto dos pais dos meus amigos." Ele acha o acordo suficiente, e diz que não gostaria de mudá-lo em nada.

Bernardo ainda não tem seu próprio celular, então usa o dos pais para brincar com alguns jogos, especialmente quando vai a algum lugar ao qual não pode levar o tablet. "Antes da pandemia eu nem usava telas, ficava o dia todo fora de casa jogando futebol. Comecei a usar mais porque não podia sair de casa."

Ele acha que não é bom ficar muito tempo olhando para uma tela. "E eu fico meio animado e estressado ao mesmo tempo, sem razão. Meu comportamento muda drasticamente."

Maria Clara tem 7 anos e pode usar celular "das seis até as dez da noite", todo dia. "É o suficiente porque eu consigo fazer tudo, jogar, assistir vídeos. Mas, se eu pudesse escolher, eu usaria de manhã também", diz.

Na TV, ela só pode assistir aos programas "A Bíblia" e "Gênesis" —assim que acabam, é hora de desligar.

"Precisa ter limite porque eu tenho que estudar, e se eu ficar muito no celular faz mal pras vistas, e eu tenho que acordar mais disposta", responde Maria Clara, enumerando os motivos pelos quais ela acha que os adultos colocam limite de horas na tecnologia.

"É pra poder não machucar a vista e eu não ficar doente", opina Malu, 8 anos, que pode assistir 30 minutos de televisão quando chega em casa da escola, antes de fazer a lição de casa.

A psicóloga Maria Gabriela explica por que usar telas por muito tempo não é legal. "Nos eletrônicos, todos os estímulos vêm prontos, sendo que a criança precisa ter um tempo em que vai poder criar, inventar uma brincadeira, achar um jeito de sair do tédio de quem não tem nada para fazer", fala.

Ela também comenta que não adianta nada sair do videogame ou do celular e correr para a frente da TV. A ideia, segundo ela, é largar a tecnologia e ir socializar, brincar e ter um momento lúdico ao ar livre sempre que possível.

"No celular eu acho que fico por mais ou menos uns 50 minutos. No computador, acho que uma hora. Na televisão, uns 60 minutos", contabiliza a Malu. "Eu gosto de falar com minha prima, combino tarefas de escola, assisto umas coisas de comédia, tudo nos meus aparelhos."

"Acho que os adultos colocam limites por acreditarem que as telas fazem mal e, por mais que a internet seja boa, ela tem partes ruins também", entende Ana Clara, 12 anos.

"Não tem nenhum dispositivo que minha família não me deixe usar. Fico quatro horas e meia por dia no celular, e não uso muito computador nem videogame. Acho esse total de horas suficiente, dá pra fazer tudo que eu quero e tem dias que ainda sobra um pouco", conta.

Rubens, o pai da Ana Clara, explica que instalou um sistema chamado "controle parental", que bloqueia o celular da filha depois de um certo tempo de uso.

"É uma hora de Instagram, uma hora de Youtube e uma hora pros demais. Nas férias, desabilitei o controle. Ela nunca acha que é o suficiente e sempre está me pedindo mais, mas colocamos limites para eles não ficarem alienados", comenta Rubens.

Beatriz, que tem 11 anos, acha pouco o limite combinado com a família. "Posso usar todos os dias, quando tem algum adulto por perto, das 18h às 21h. Eu acho que esse total de horas não é suficiente pra mim."

Ela conta que gostaria de usar as telas à hora que tivesse vontade, e que acha que os adultos controlam o uso de telas "porque não querem que as crianças fiquem viciadas". "Se deixar, ela quer usar toda hora", fala Lucicleide, mãe da Beatriz, que diz que a filha só não usa telas quando deixa de fazer alguma atividade da escola e "fica de castigo".

Combinar antes quantos minutos ou horas de tela as crianças vão ter é a parte mais importante disso tudo, explica a psicóloga Maria Gabriela. E é legal também que os adultos saibam que, enquanto os filhos são pequenos, provavelmente vão ter que ajudá-los a saber que a hora de desligar os dispositivos chegou.

"A criança se perde em relação ao horário, é natural que os responsáveis precisem bater à porta ou botar despertador. Quando a criança resiste, é importante dizer que ela não está cumprindo com o combinado, e que amanhã, então, ela não vai poder jogar", ensina.

"Os adultos têm que ir mostrando para a criança que ela precisa se regular e, se ela não tem condição de fazer isso, ela também não tem condições de ficar ali jogando. É importante fazer esse lembrete: ‘Você vai conseguir cumprir esse horário, não vamos precisar brigar?’".

"Quando chega a hora de desligar eu preciso avisar e é uma batalha, todo dia uma negociação", conta Lígia, mãe da Nina Maria, de 13 anos.

"Eu posso usar todos os dispositivos. Computador é cerca de uma hora e meia pra coisas da escola, o celular, cerca de três horas, e videogame 30 minutos, mas é só na casa do papai", relata Nina.

"Gostaria de usar computador por duas horas e meia, e o celular, por três horas, mas acho que assim é suficiente, porque consigo fazer tudo que preciso e acho que mais que isso não ia ser saudável. Se não colocarem limite a gente vai ficar usando o dia inteiro sem parar."

A psicóloga Maria Gabriela lembra os adultos que crianças, no geral, só percebem o mundo "no agora", e não conseguem perceber o efeito das coisas no futuro. "Elas não se dão conta de que vão ter dificuldade para dormir e vão estar cansados na escola porque jogaram até tarde."

"Nós, os adultos, sabemos os efeitos e temos condição de entender e explicar", fala. "Colocar limite é importante porque haverá prejuízos se ele não existir. E os pais precisam entender que dizer ‘não’ e colocar limites faz parte da tarefa dos adultos, o que não quer dizer que as crianças não vão ficar bravas ou frustradas. Acontece."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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