Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

Folhinha conta duas histórias inéditas sobre Tiradentes no seu feriado

Heloisa Murgel Starling escreve 'Lutando Contra a Dor de Dentes' e 'A Quadrilha do Montanha'

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Heloisa Murgel Starling
Belo Horizonte

Agora, pense um pouco. Imagine uma dor de dentes no século 18 —sem analgésico, nem anestesia. Para aliviar a dor infernal dos dentes estragados valia qualquer coisa: desde rezas e benzeduras até o uso de drogas, como cânfora, óleo de cravo e láudano ou de medicamentos bem menos ortodoxos, como pólvora, teias de aranha, álcool, gordura de rã, excrementos humanos e ouro.

Em último e desesperado recurso, a vítima apelava ao tira-dentes e à sua caixa de horrores: facas de formas e tamanhos variados, alavancas rudimentares de ferro, boticões com as pontas recurvadas formando assustadores bicos de papagaio inteiramente de ferro.

Retrato de Tiradentes. Na imagem, um homem branco de barba e cabelos longos, pretos, olha fixamente para o lado. Há uma corda em volta de seu pescoço.
Retrato de Tiradentes feito por Oscar Pereira da Silva, em 1922 - Acervo do Museu Paulista da USP

Para a gente das Minas, Tiradentes era um personagem familiar e indispensável que entrava nas casas, fazia prognósticos, praticava curas: coletava ervas para produzir os próprios remédios sob a forma de chás ou unguentos, trazia alívio às enfermidades e às longas semanas de dor constante e conseguia por fim ao pavor dos dentes estragados —ele era bom curador, diziam. Na verdade, Tiradentes era um dentista de mão cheia.


Usava óleo de cravo e canela para diminuir a sensibilidade do dente e cauterizava a cárie com fogo; fazia dentaduras em base de ouro que eram construídas a partir de um molde e esculpia dentes artificiais em osso de boi formando uma só peça presa aos dentes naturais por fio metálico. E, é claro, enquanto fazia tudo isso, Tiradentes cuidava de ir propagandeando as ideias revolucionárias que sustentaram o projeto político da Conjuração Mineira.

A Quadrilha do Montanha

Em 1781, Tiradentes assumiu o comando da Patrulha do Mato, encarregada de vigiar as picadas e atalhos do Caminho Novo, a estrada que ligava o Rio de Janeiro à Vila Rica, hoje Ouro Preto, capital das Minas. O percurso demandava em torno de 17 a 20 dias, sobretudo na estação das chuvas, quando o aguaceiro pingava quase ininterrupto pelas barbas dos viajantes, o nevoeiro cobria a Serra da Mantiqueira e a
estrada dissolvia-se em lama e barro sob os pés.

Pior: o Caminho Novo estava coalhado de quadrilhas de salteadores —a notícia dos assaltos corria solta, o medo crescia e não eram poucos os viajantes que tratavam de deixar prontos os testamentos antes de iniciar viagem para o Rio de Janeiro.

Tiradentes deve ter ganhado a gratidão eterna de todos eles quando desbaratou a quadrilha mais famosa da região —a Quadrilha da Mantiqueira. Liderada por José Galvão, conhecido como Montanha, um gigante de pele morena, cabelos compridos e barba cerrada, a quadrilha tinha uma rede de informantes espalhados pelas vilas: todos de olho na passagem de comboios transportando grande quantidade de ouro ou de comerciantes carregados com várias canastras de mercadorias —indício certo de que
levavam consigo muito dinheiro.

Os homens do Montanha esperavam pelos viajantes no alto da Mantiqueira e impressionavam tanto pela violência quanto pela audácia. Surgiam repentinamente numa trilha do caminho, vestindo as fardas dos soldados integrantes da Patrulha do Mato, encarregada da segurança da estrada e pareciam mesmo com uma tropa na ronda —quando a vítima percebia o ardil, já era tarde demais. O viajante teria muita sorte de não terminar assassinado e ser enterrado, com todas as suas roupas, papéis e alforjes vazios, no ermo da serra.

Tiradentes desbaratou a quadrilha com muito esforço e um bocado de dedução lógica. Antes de bater inutilmente os matos à procura dos salteadores, ele rastreou a rede de informantes, comparou as informações na busca de coincidências e, só então, levou os soldados ao alto da serra; prendeu todos.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

Heloisa Maria Murgel Starling é historiadora, pesquisadora e escritora, professora titular do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreveu, entre outras dezenas de livros, "Brasil, uma Biografia", em parceria com Lilia Schwarcz. 

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