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Memórias que ficam da Adalbertolândia, parque encantado no Sumaré

Seu Adalberto resolveu ir brincar noutro parque, no Parque do Céu

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Ronaldo Bressane
São Paulo

"Pá-que, pá-que, pá-que!", cantava a Valentina. Minha filha tinha inventado essa musiquinha toda vez que a gente ia na Adalbertolândia. Toda vez que a gente ia na Adalbertolândia a Valentina se vestia de salada de frutas. Salada de frutas era o lookinho da Valen quando misturava saia roxa com legging amarela, camiseta verde e camisa listrada, All Star vermelho e óculos de gatinho.

"Gatinho, tem gatinho no pá-que", ela ria, lá nos seus 3 anos, apontando um gato branco que tinha trepado, feito leão da montanha, num dos brinquedos da Adalbertolândia.

A Adalbertolândia era um parque privado. Privado é o marido da privada: é aquilo que é só de você, aquilo que você não divide com ninguém. E ninguém tinha inventado um lugar como a Adalbertolândia até o seu Adalberto encasquetar com essa ideia.

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Criada por Adalberto Costa de Campos Bueno, a Adalbertolândia é o único parque infantil particular e gratuito da cidade, e completou 50 anos em 2018. - Jorge Araújo-24.mar.2018/Folhapress

Encasquetar é uma palavra engraçada, e como é engraçada a Adalbertolândia! Adalbertolândia é um parque privado, isto é, um espaço pra lazer que não foi inventado pela prefeitura, pelo governo, ou pelo Estado: foi criado dentro de uma propriedade privada. No caso, um terreno que seu Adalberto tinha no Sumaré, bem na frente da casa dele.

E ele ficava lá, na casa dele, espiando as pessoas que iam se divertir —eu disse "ele ficava", porque semana passada o Seu Adalberto resolveu ir brincar noutro parque. No Parque do Céu, Seu Adalberto deve ter sido recebido com todas as honras: "Parabéns, você não foi egoísta, em vez de vender seu terreno pra virar outro prédio-tédio, deu seu terreno parque pras crianças".

Crianças de toda São Paulo vêm ver os encantos dessa Disneylândia em miniatura: "Sempre podemos —e devemos— oferecer alguma coisa para os outros, sem pedir nada em troca", recomenda a placa de boas-vindas.

Depois dessa placa, tem dez opções de caminhos mágicos pra desvendar —todos com plantas e flores cuidadas pelo Seu Adalberto Costa de Campos Bueno, que era publicitário, professor de inglês, pai e avô.

Ele criou o parque pois, quando chegou ao Sumaré, via as crianças brincando na lama —e o terreno da família, lá, desperdiçado. Desperdício é quando você transforma uma coisa útil em inútil: e existe coisa mais útil do que brincar em um parque?

Adalberto Costa Bueno ao lado do neto Alexandre, em foto de 2012 - Danilo Verpa-07.ago.2021/Folhapress

O parque tem ainda um castelinho (com a útil legenda "Permitido para crianças de até 100 anos, com seguro") e carrossel —que estava todo quebrado no depósito da antiga loja Sears, e foi reformado pelo próprio Adalberto.

Pois é, o próprio proprietário desprivatizador foi quem construiu todos os bancos de madeira, trouxe balanço, gangorra, lixeiras falantes (elas dizem "oi, tudo bem?"), decorações —e ele mesmo limpava as trilhas, pintava os brinquedos, conversando com todo mundo, sorrindo, sempre gentil.

"Tá com sede? Vou ali buscar um copo d'água pra você", disse o Seu Adalberto para a Valen, que reclamava ter esquecido da garrafinha de água.

O gentil Seu Adalberto foi o Willie Wonka, o Mauricio de Sousa, a Ruth Rocha do Sumaré: uma pessoa que sabe que a infância é um espaço público, que sabe que brincar nunca deverá ser propriedade privada, brincar nunca poderá ser coisa vendida.

Vender? "Faz mais de 50 anos que querem comprar meu terreno, e sempre digo o mesmo: na-na-ni-na-não", contava Seu Adalberto. Não foi lá ainda? Pega sua roupa mais maluca, vira o GPS pra esquina das ruas Paulino Longo e Plínio de Moraes, e se joga na Adalbertolândia.

Em algum carrossel no Parque do Céu, pra onde voou no sábado 19 de março, aos 94 anos, Seu Adalberto estará espiando tudo. E sorrindo.

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