Descrição de chapéu Todo mundo lê junto yanomami

Cuidado com indígenas é responsabilidade dos próprios povos, mas também da sociedade

Antropólogos falam da importância da demarcação e mostram que todas as profissões podem colaborar

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São Paulo

De acordo com o último Censo Demográfico, que é um estudo feito para entender mais sobre a população no Brasil (quantidade, idade, condições de vida etc), há menos de 900 mil indígenas no país. Esse número é de 2010, mas está sendo atualizado atualmente e o novo resultado deve sair no mês de abril.

Mesmo que ele suba, com o Censo 2022, ainda assim pode ser impressionante saber que, na época da chegada dos europeus ao Brasil, em 1500, havia aqui de 5 a 7 milhões de indígenas. Como será que tudo mudou tanto de lá para cá?

Retrato do cacique Raoni, importante liderança indígena Brasileira - Pedro Ladeira/Folhapress

Hoje, temos visto imagens dos yanomamis recebendo ajuda, na tentativa de conter a emergência de saúde em que eles foram deixados —por muito tempo, seu modo de vida foi desorganizado com alimento e água contaminada por mercúrio vindo do garimpo, falta de medicamentos, entre outras catástrofes.

De início, os indígenas são responsáveis por eles mesmos: cuidam de seu povo e de sua terra. Mas uma situação como esta dos yanomamis mostra para a sociedade que ela também tem responsabilidade por manter os indígenas saudáveis, seguros e íntegros, e que será sempre cobrada por isso.

"Os europeus não apenas chegaram a esse enorme território que veio a se chamar Brasil, mas o invadiram. Ou seja, sua chegada e a relação que estabeleceram com os milhares de povos que já viviam por aqui, e que eram e continuam a ser os verdadeiros donos dessa terra, foram desde o início marcadas por muita violência", lembra o antropólogo Ian Packer.

Ele explica que a combinação de roubo da terra dos indígenas, disseminação de doenças e perseguição por parte dos europeus é chamado de "genocídio". "Isso ocorreu ininterruptamente ao longo dos últimos cinco séculos e, infelizmente, continua a acontecer hoje em dia."

Para evitar que calamidades como a dos yanomamis acontecessem, o Brasil criou uma série de leis e organizações com o objetivo de proteger os indígenas. Por quase 60 anos, havia o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), que foi desativado depois de acusações de mau funcionamento.

Em 1967, ele foi substituído pela Funai (Fundação Nacional do Índio), que existe até hoje e é presidida pela ex-deputada Joenia Wapichana. "Podemos dizer que a função primordial da Funai é demarcar as terras indígenas, já que a terra é a condição fundamental para a existência de qualquer povo e cultura", ensina Ian.

Demarcar significa delimitar, ou seja, estabelecer onde começa e onde terminam as terras. O antropólogo diz, no entanto, que não basta demarcar esse território. "É preciso também defendê-lo das constantes agressões e tentativas de invasão que ele sofre continuamente por parte de fazendeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e garimpeiros", fala.

Era isso, aliás, que fazia o indigenista Bruno Pereira em junho de 2022, quando foi brutalmente assassinado no Vale do Javari, no Amazonas, por pessoas que trabalhavam com pesca ilegal. Ele percorria a região para mapear invasões e pensar estratégias para protegê-la, e estava acompanhado do jornalista britânico Dom Phillips, que também foi morto.

"A demarcação não é importante apenas para os povos indígenas, mas para toda a sociedade. Como os povos ameríndios possuem conhecimentos milenares sobre a natureza, e modos de vida que lhes permitem conviver com ela sem destruí-la, ao se demarcar um território indígena e protegê-lo se está demarcando e protegendo também a fauna, a flora e os rios", diz Ian.

"O índio não é aquilo que aparece nos livros didáticos, fazendo um papel de coitado. Pelo contrário, o índio nos salvou", defende Adelino Mendez, antropólogo do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE-UFRJ).

"Pensar o indígena como um primitivo é não aceitar o outro. Ele faz parte de uma sociedade ecológica e tecnologicamente adaptada, sabe muito bem como tratar aquilo que lhe é essencial na vida, enquanto nós perdemos isso. A gente não escuta ninguém, e o indígena escuta a natureza."

Adelino e Ian têm a mesma profissão —ambos são antropólogos. Em resumo, o trabalho deles é conhecer e analisar a cultura dos povos atuais e extintos. "As pessoas acham que só aquele cara triste de óculos no canto da sala é que vai ser antropólogo", brinca Adelino.

"Comecei a estudar isso quando tinha 10 anos, abrindo livros. Ver aquelas florestas incríveis e os caras que viajaram pelo coração do Brasil me emocionava muito", lembra.

Para ele, o trabalho do antropólogo surge do respeito e da vontade de entender o outro e suas diferenças. E ele não é o único que pode atuar junto dos indígenas. Ian, por exemplo, acha que praticamente todas as profissões podem colaborar para a proteção deles, de suas culturas e territórios.

"Advogados podem atuar na defesa de lideranças que são constantemente ameaçadas, médicos podem ir trabalhar nos postos de saúde que existem nas aldeias, professores podem introduzir referências indígenas em suas aulas, jornalistas podem dar espaço em suas pautas para assuntos relativos ao modo de vida e às lutas indígenas, e assim por diante", diz.

"A imensa maioria da população brasileira desconhece quase que inteiramente a riqueza, a beleza e a sofisticação das formas de pensamento e dos modos de vida indígenas. Falo no plural, porque são muitos e muito diferentes entre si. Então, todo esforço no sentido de torná-los mais conhecidos e respeitados é muito importante."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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