São Paulo, sábado, 4 de novembro de 2006

Miniconto

O cavalo de Janaína

Janaína, a rainha do mar, é deusa que mora nas águas. Ela também é chamada de Iemanjá e aparece como uma linda mulher de longos cabelos pretos, vestida com o azul do mar, caminha sobre a água deixando rosas entre as ondas. Às vezes, é uma deusa negra com uma beleza soberana das grandes mães.
É a moça mais formosa do mundo e vista como sereia. A tataravó que veio de Angola dizia: "Era metade mulher com os cabelos de ouro e metade peixe com as escamas de prata".
A tataravó aprendeu a contar histórias na África e atravessou o oceano para chegar até o Brasil. Ela dançava e imitava a sereia com o espelho para falar de Janaína: "Janaína saiu passeando pelo mar adentro, onde não há dia nem noite, vendo as belezas que estão espalhadas no fundo da água e os moradores dos seus reinos".
O mar de Janaína é um mundo encantado. Além dos peixes que são os seus vassalos, há uma infinidade de seres que não vemos e outros que vemos pequenos, mas que são grandes, pois têm poderes sobrenaturais criados desde o princípio do mundo.
Os peixes saíram das lamas e das areias, onde estavam escondidos para cortejar a rainha. Quando Janaína chegou bem lá no fundo, todos os seres do mar se ofereceram para ajudá-la a voltar para casa. A baleia tomou a frente, pois era enorme. O tubarão, bem feroz, veio logo depois, e, assim, chegaram o boto, a arraia e outros valentões. A fila era imensa, mas Janaína ia recusando a ajuda de um após o outro. No fim da fila estava o cavalo-marinho, tão pequeno, tão frágil como um cristal verde pintalgado. Janaína cantou quando viu o último, disse a tataravó:
"Cavalinho, meu cavalinho
Senhor das areias do mar
Prepare o seu cangotinho
Para Janaína voltar".
O cavalo-marinho, todo feliz, parou em frente à rainha para que ela pudesse montá-lo. Saiu rompendo as ondas tão ligeiro que os outros peixes não puderam alcançar. E foi assim que o cavalinho do mar se tornou encantado: a gente o vê pequenininho, mas ele é grande. É o cavalo de uma deusa.
A tataravó quando contou essa história reviveu os tempos em que participava dos folguedos, quando desfilava no Rancho do Cavalo Marinho. Isso foi há muito tempo, lá no ano de 1905, no bairro da Cruz do Cosme, na Bahia.


Sobre a autora
Elizabeth Rodrigues é antropóloga e escritora, co-autora de "Ogum, Rei de Muitas Faces" (Cia. das Letras). O miniconto acima é baseado na história coletada por Souza Carneiro em 1905 e registrada no livro "Os Mitos Africanos no Brasil" (Companhia Editora Nacional, 1937).

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