São Paulo, sábado, 9 de maio de 2009

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A gestação das palavras

Uma frase, uma imagem ou uma saudade podem fazer a imaginação de autores funcionar a mil

GABRIELA ROMEU
EDITORA-ASSISTENTE DA FOLHINHA

Até virar um livro, a ideia de uma história nasce dos mais variados jeitos. Pode ter gestação longa ou curtíssima. Às vezes, surge do "nada". Outras vezes, é provocada só por uma imagem, uma frase ou uma situação.
E alguns escritores têm uma fonte de inspiração bem pertinho, em casa. São seus filhos, que, meio sem querer, sinalizam o caminho para uma boa história.
Basta ficar bem atento, indica o escritor Ilan Brenman, sempre surpreendido pelas situações vividas com as filhas -Lis, 5, e Íris, 2.
Um exemplo? Há algum tempo, a mais velha soltou um pum bem fedido na sala -será que foi ela mesmo? Os pais riram da traquinagem, mas a menina desabou a chorar. A mãe, Tali, tentou consertar e disse: "Filha, até as princesas soltam pum".
O pai não disse nada, correu para anotar a frase. O episódio foi a inspiração de um de seus livros recentes. Adivinhe o nome? "Até as Princesas Soltam Pum" (ed. Brinque-Book). "Adoro observar o mundo das crianças. Há um conteúdo inesgotável de histórias ali."
Foi também o filho de Fátima Miguez que impulsionou sua carreira literária quando pediu para que ela criasse uma história. Quando questionado sobre qual seria o nome da aventura, o menino soltou: "A Cama que Não Lava o Pé".
Ela embarcou na brincadeira e, alguns anos e muitas histórias depois, esse foi seu livro de estreia no mundo do "era uma vez".
Cecília, 7, e Nino, 5, também trazem referências para a criação da mãe, a ilustradora e escritora mineira Marilda Castanha.
Foi num passeio por um museu de ciências, por exemplo, que o medo dos pequenos de uma preguiça-gigante trouxe ideias frescas para "Pula Preguiça", que ainda será lançado.
Ela até tem um caderno com preciosas "260 frases" dos filhos. São sementes que podem fazer brotar imagens e palavras.

Saudade rende história
Saudade também é inspiração para o nascimento de histórias. O escritor-ilustrador André Neves escreveu "A Caligrafia de Dona Sofia" (ed. Paulinas) por conta das boas lembranças de uma professora de artes lá de Recife, cidade onde o rapaz nasceu. Dona Sofia não é o nome da professora dele, mas tinha o mesmo costume de escrever coisas pelas paredes da casa. Não só de saudade vive sua criação. "Como sou ilustrador, boa parte das minhas histórias vem de imagens, pode ser só uma imagem. Podem ser imagens da vida contemporânea, de uma cena de rua ou de uma fotografia", explica.

De todos os lugares e de lugar nenhum
O escritor e roteirista Almir Correia cria personagens e versos bem inusitados em sua obra. Ele conta que suas histórias "nascem de todos os lugares e de lugar nenhum". Duas palavras na cabeça podem ser o suficiente para ele se meter numa aventura. Foi assim quando pensou na combinação de carrapatos e catapultas, que virou assunto de uma animação. "E agora, o que fazer com elas? Pensei, pensei, pesquisei." A dupla rendeu uma história num mundo em outra galáxia, onde as catapultas são o principal meio de transporte para esses seres minúsculos. "A realidade também sempre nos inspira a contar histórias. O mais saboroso é modificá-la, dar novas cores, cheiros e possibilidades."

Criança é fonte de inspiração
Tatiana Belinky tem muitos anos de vida: 90. Mas ela coleciona um número ainda maior de livros publicados: mais de 120. De onde surge tanta inspiração para escrever? "Ah, estou sempre pensando em alguma coisa engraçada, em alguma brincadeira qualquer." E ela conta que está sempre atenta ao que dizem as crianças onde quer que vá. As crianças, ela explica, "são uma barbaridade de histórias". Se ficar bem atento, tudo o que elas dizem pode render alguma peripécia no mundo do "era uma vez". "Aprendi muitas coisas com as crianças. Aprendi mais com as crianças do que com os livros", afirma, sem titubear.

De ponto em ponto
A escritora Índigo diz que é difícil saber como surgem as ideias para uma história: "Parecem que surgem do nada mesmo". Mas ela descobriu há uns seis anos como faz para desatar o nó de uma narrativa enrolada. "O jeito é bordar", diz. Ela tem em casa um bordado que começou há uns 14 anos e, sempre que tem dificuldade para encontrar a solução para um trecho de uma história que está desenvolvendo, ela troca as palavras pelos pontos. De ponto em ponto, ela encontra uma saída. O bordado e a história avançam. O único problema é que esse bordado não pode acabar nunca!

Um banho de ideias
Muitos escritores dizem que a gestação de um livro pode demorar muito mais do que nove meses -às vezes, leva anos e anos. Um dos livros de Angela-Lago, no entanto, foi feito durante uma chuveirada. Foi o seu primeiro livro premiado: "Uni Duni e Tê" (ed. Moderna), lançado nos anos 80. Enquanto tomava banho, cantava cantigas de roda e começou a imaginar uma história policial com personagens como Zé do Cravo (aquele que brigou com a Rosa), Dona Chica (de "Atirei o Pau no Gato") e Sambalelê (aquele que estava com a "cabeça quebrada"). "Geralmente, o processo de criação é lento e trabalhoso, mas essa história foi dada. Provavelmente, escrevi numa sentada", conta. Mas isso é coisa rara, ela avisa.

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