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São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

Miniconto

Pai é pai!

Guto Lins

- Meu pai é astronauta.
- O meu caça elefantes na África.
- Meu pai é campeão de caratê.
- O meu é médico de coração. Já salvou mais de 1 milhão de pessoas.
- O meu conserta qualquer coisa.
- O meu também, mas detesta trocar lâmpada.
- Meu pai tem quase três metros de altura.
- E o meu é o homem mais forte do mundo. Ele diz que nasceu pra carregar piano.
- Meu pai é ator lá em Hollywood. Já ganhou até um Oscar.
- Meu pai dirige um caminhão do tamanho deste prédio.
- O meu é piloto de Fórmula 1.
- Meu pai é piloto de avião.
- Meu pai conhece o mundo todo.
- O meu jogou no Barcelona.
- E o meu foi cestinha na NBA.
- Meu pai sabe de cor o time de todas as seleções do Brasil. Até os reservas.
- Arrá!, meu pai é o maior cozinheiro do mundo! Já fez comida até para a rainha da Inglaterra.
- Ganhei! Meu pai é o Super-Homem.
Silêncio total, até ser quebrado pela gargalhada geral.
- Ok, Dudu, você venceu! Agora vamos dividir os times. O meu é o Barcelona, e fazemos gol na árvore.
Rapidamente a gurizada se dividiu após um tumultuado par ou ímpar. Menos o Dudu.
- Vou pra casa!
Era quarta. Dia de botão.
Chegou em casa quase com o pai. Sentaram no chão da sala e continuaram o campeonato mundial que tinham interrompido na quarta passada. Jogo duríssimo: 5 a 5.
O pai era craque. Ensinou a chutar de trivela e a dar bicicleta. Tinha uns botões legais, desses que não se acha em loja nenhuma, mas não sabia arrumar o goleiro. Sempre deixava um canto abertão.
Depois do jogo, foram para o vestiário, comentando as jogadas enquanto tomava banho e o pai fazia a barba. Quarta-feira também era dia de sanduíche com guaraná. "Não conta pra sua mãe não, hein!"
Deitaram no sofá da sala, com um pote de pipoca tamanho Maracanã, e foram assistir pela décima quinta vez àquele desenho animado irado. Até o pai já sabia as falas de cor.
- Domingo vou levar você numa pista de skate nova que abriram naquela praça grande lá do centro.
- Legal!
Meia hora depois, levou o filho quase cochilando pra cama. No caminho, ele acordou um pouco.
- Conta uma história?
Quando a mãe chegou - às quartas, ela trabalhava até mais tarde - encontrou os dois dormindo abraçados na caminha de solteiro.
O pai, todo torto, tinha um livro aberto na barriga e um sorriso de paraíso nos lábios.
Dudu sonhava com o Super-Homem.


Sobre o autor Guto Lins é pai do João, 6, e do Antonio, 2, e também é autor e ilustrador de diversos livros infanto-juvenis, como "É o Maior" (editora Larousse), "É o Bicho F.C." (editora Ediouro) e "Lá em Casa Tem um Bebê" (editora Mercuryo Jovem).

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