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São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

MINICONTO

SOFRER CALADO

IVANA ARRUDA LEITE

Kinzinho adorou o convite de tio Mário para ir ao Morumbi. Corinthians e São Paulo, final de campeonato, imperdível.
No estádio, ele estranhou tanta bandeira alvinegra ao redor.
-A gente vai sentar aqui?- perguntou pro tio.
-Você esqueceu pra que time eu torço?
Droga! Kinzinho tinha esquecido que tio Mário era corintiano roxo. Aos 15 minutos do primeiro tempo, quando o Corinthians abriu o placar, ele teve vontade de falar um monte de palavrão, mas agüentou firme. Qualquer manifestação e sua vida correria perigo.
Logo depois o São Paulo empatou. Com muito esforço, conseguiu prender o grito na garganta antes que ele escapasse. No segundo tempo, o Corinthians fez mais um e ganhou a partida. Kinzinho parecia um lorde, 90 minutos na maior indiferença. Em compensação, quando chegou em casa, xingou tanto, chorou tanto que a mãe pensou que ele estivesse tendo um ataque.
-Tudo isso porque seu time perdeu?
-Não, mãe. Tudo isso porque eu tive que sofrer calado.
À noite ele sonhou que xingava o juiz e enfrentava sozinho a torcida do Corinthians. Mas aí já era tarde.

Sobre o autor
Ivana Arruda Leite, 52, é escritora e colunista da Revista da Folha


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