São Paulo, sábado, 17 de abril de 2010

Minissérie

O dia do silêncio

POR JOSÉ ROBERTO TORERO

Rio de Janeiro, 17 de julho de 1950

Oi, mãe. Oi, pai.
Tudo bem aí no sítio?

Sei que eu devia ter escrito antes e vocês vão puxar minha orelha quando eu chegar, mas é que aconteceu uma coisa incrível aqui na casa do vô e da vó: uma Copa do Mundo!

Será que vocês escutaram aí no rádio? Acho que não, o rádio aí é muito ruim. Cheio de chiado. Então eu explico: a Copa do Mundo é um campeonato de futebol, só que não é com times, é com as seleções dos países. Muito supimpa (aqui no Rio usam muito essa palavra)! Tinha seleções de 13 lugares. Ah, e a do Brasil também participou.

O nosso time tinha uns caras muito bons. O "goalkeeper" era o Barbosa, e ele segurava todas as pelotas. E na frente tinha três "cracks": Jair, Ademir e Zizinho. O apelido do Ademir é Queixada porque ele tem um queixão.

Vocês acreditam que fizeram um estádio novinho só para receber as partidas da Copa? O nome dele é Maracanã e acho que cabe todo mundo de Bauru lá dentro. Ele é muito grande. Muito grande não, é mais que muito grande, é muitíssimo grandíssimo.

O vovô me levou ao Maracanã para assistir aos jogos. O mais supimpa foi quando o Brasil ganhou da Espanha por 6 a 1. O estádio inteiro cantou uma música sobre as touradas. Era assim: "Eu fui às touradas de Madri, parará, tim bum, bum bum, parará tim bum, bum bum!". Achei engraçado à beça.

À noite, na casa do vovô, fiquei chutando uma meia e cantando a tal música. A vovó falou que, se eu quebrasse um vaso, ia me bater. Mas a vovó só fala; na hora do castigo, ela fica com pena e não faz nada.

O último jogo da Copa foi Brasil e Uruguai. O Brasil só precisava empatar para ser campeão.

Todo mundo tinha certeza de que a gente ia ganhar. Até armaram umas mesas na rua e puseram fitas verdes e amarelas nos postes.

Mas a gente perdeu.
Quem ganhou foi o Uruguai, e por 2 a 1.

Quando o juiz apitou o fim da partida, ficou o maior silêncio. Ninguém falava nada. Só os uruguaios é que comemoravam lá no campo.

Na rua, cobriram as mesas com uns lençóis e ninguém comeu nada.

O jogo foi ontem, por isso que eu demorei para escrever.

Mesmo perdendo, eu gostei desse negócio de Copa do Mundo. Será que algum dia nós vamos ganhar uma? Aí vai ser supimpa!

Um beijo do seu filho,
Dico

"goalkeeper" = goleiro
"cracks" = craques

AUTORES

José Roberto Torero é escritor, roteirista e santista. Já escreveu livros para adultos, como "O Chalaça", e para crianças, como "Chapeuzinhos Coloridos", ambos da editora Objetiva. É tio do Lelê, um garoto antenado que escreve no blog http://blogdolele.blog.uol.com.br.

Flávia Ocaranza é artista plástica, formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, e estreou como ilustradora na Folhinha.

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