UOL
São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 2006

FICÇÃO

ESCONDERIJO
parte final

HELOÍSA PRIETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando o verão terminou, meus pais vieram me buscar para me levar de volta a São Paulo, onde morávamos. Depois de tanto tempo tentando descobrir tudo quanto é tipo de segredo, os meus, os de meus amigos, de minha avó e suas amigas, da Leninha, do mar, da noite, do dia e da areia e do mar, olhei rapidinho para o rosto de minha mãe e percebi que ela também me escondia algo.
Na estrada da Serra do Mar, a caminho de São Paulo, minha mãe cantava ao som do rádio. Isso não era comum e eu pensava assim: "Será que minha mãe virou escultora de palitinho de sorvete, como a Leninha?"
Chegamos em casa.
Em São Paulo, nossa casa era térrea, sem escadas, sem esconderijos. Meu pai desceu do carro e abriu o portão. Mas, antes que ele voltasse ao carro para estacioná-lo na garagem, um filhotinho de cachorro veio correndo em direção ao carro. E eu desci voando para apanhar o cachorrinho. Isso não era segredo, era surpresa! E das melhores!
O cachorrinho se chamava Pitu e era um presente para mim. Eu o abracei e fiquei tão feliz que quase chorei!
Foi quando minha mãe me lançou um olhar diferente e eu percebi que ainda havia outro segredo pelo caminho. Senti um certo pavor. Seria um segredo de tristeza? Será que o Pitu era um jeito de me deixar alegre antes de me contar algo que daria tristeza?
Antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, minha mãe me levou para dentro da casa. A sala estava igual, mas no corredor que levava aos quartos, uma grande diferença: meu quarto tinha sido mudado. Abri a porta: eu tinha agora uma cama nova, quatro novas estantes, uma delas cheia de novos brinquedos, além de uma caminha de cachorro, ao lado da minha, especialmente comprada para o Pituca. Eu não estava entendendo nada, será que meu aniversário tinha mudado de dia?
Respirei fundo para falar, o Pituca no meu colo, já me lambendo, e minha mãe abriu uma nova porta no meu quarto. Fez sinal para que eu a seguisse. A porta dava para um quarto um pouco menor, construído recentemente. As paredes eram cor de verde claro, havia uma estante cheia de brinquedos de pelúcia e bem, no meio do quarto, ficava um bercinho.
Abracei minha mãe e percebi sua barriga crescida.
Senti vontade de chorar, alegria, susto e medo, tudo ao mesmo tempo. Ela me abraçou e suspirou feliz.
- Pronto! disse minha mãe ao meu pai que entrava no quarto agora já não é mais segredo....
Qual será o mais secreto de todos os segredos?
Eu acho que é aquele segredo que a gente finge que guarda nos esconderijos do fundo do coração, dos sonhos, da imaginação.
Como a chegada de Isabela, minha pequena sereia que, um belo dia, sem mais nem menos, se transformou em irmã...
Heloísa Prieto é escritora, autora "O Jogo da Parlenda" (Companhia das Letrinhas) e "Pequenos Dragões Negros" (Moderna)

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