Teresa tem seis anos e quer descobrir o mundo.
Ontem invadiu o quarto do seu irmão, o Gilmar. Vestiu cueca e boné pra saber como é ser menino. Gostou tanto da brincadeira que hoje decidiu virar bicho.
Foi até o quintal e olhou fundo nos olhos do Ovídio.
Ovídio é o cachorro. Antes, só fugia. Com a idade, acomodou. Hoje não sai de casa nem pra visitar parente.
Olhou pro cachorro um tempão. E de repente... Teresa latiu.
O Ovídio riu, com a língua pra fora. Vai saber o que ela disse naquele ganido.
É que língua de bicho é diferente. Você já tentou decifrar um pio, um miado, um cacarejo?
Teresa saiu correndo, com as mãos ou patas? - no chão. Latindo e cheirando tudo.
Ouviu um barulho. Cachorro tem mania de proteger, pensou. Foi lá meter o focinho.
Correu até cansar. Deitou no tapete duro. E foi ficando com fome.
Sonhou com um chocolate, mas só o que tinha era ração. E água na tigelinha. Vida dura essa do cão.
Ovídio só assistia, de longe. Quando criança espalha muita imaginação é melhor não se meter.
Teresa Bicho coçou a nuca. E coçou a orelha. E mordeu a pata. E esfregou a barriga.
Será que é pulga?
Se for, tem que tomar banho de mangueira, no tanque.
Isso é demais. Chega. Ela já entendeu. Bicho é bicho. Gente é gente. Cada um com seu destino.
Quem sabe se o destino do Ovídio não foi ser tatu noutra vida? Ou até uma samambaia.
Samambaia? Essa que fica pendurada?
Ótima ideia, ela gritou.
Amanhã, Teresa vai querer ser planta!
Coitado do xaxim...