Penetra na literatura americana, Paul Auster produz obras que pensam e duvidam

Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2019 tinha dificuldade em se ver como romancista

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Juliana Cunha
São Paulo

Quando Paul Auster surgiu no cenário literário norte-americano, foi como um corpo estranho. Tradutor de francês e pouco afeito a enredos repletos de ação, foi mais bem recebido na Europa do que em sua terra natal, onde o consideraram um tanto quanto afrancesado.

Entre 1974 e 1980, ele publicou quatro livros de poesia em pequenas edições timidamente recepcionadas e sentia que, como escritor, tudo o que ele tocava tendia ao fracasso de público. 

Alguns anos depois de trocar a poesia pelo romance, no entanto, sua sorte virou. A década de 1990 consagrou Paul Auster como um dos grandes prosadores americanos, com prêmios literários e a prova suprema de sua popularidade entre os leitores: em 1999, uma matéria do jornal britânico The Guardian dizia que muitas livrarias mantinham os livros deles protegidos atrás do balcão, porque Auster era um campeão de furtos.

Judeu de Newark, em Nova Jersey, as similaridades com Philip Roth não se estendem muito mais do que a cidade natal. Embora ambos tematizem questões judaicas, a condição do escritor e utilizem recursos autobiográficos, mesmo quando surge em cena, Auster parece se esconder nas coxias.

O crítico Sven Birkerts o descreveu como “um fantasma no banquete de escritores americanos contemporâneos”, e o próprio Auster já disse que seu projeto literário era tão contrário ao que a maioria dos romancistas estava tentando fazer que, às vezes, ele tinha dificuldade em se pensar como romancista. 

Paul Auster durante a Feira Internacional do Livro de Guadalajara de 2017
Paul Auster durante a Feira Internacional do Livro de Guadalajara de 2017 - Fernando Carranza/Reuters

Até quando seus livros incorrem em “temas americanos” como a Grande Depressão e o beisebol, seu tratamento soa muito diferente da maior parte de seus conterrâneos atuais, aproximando-se antes de referências europeias e da literatura americana do século 19, especialmente de Herman Melville, Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe e Henry David Thoreau, autores que o próprio Auster cita como inspirações. 

“A narrativa norte-americana da segunda metade do século 20 é muito marcada pela ação que caracteriza, por exemplo, a obra de Hemingway, sempre citado como uma influência de escritores posteriores. Num caminho distinto, a literatura de Paul Auster é um espaço de reflexão: acompanhamos os pensamentos, as dúvidas, os questionamentos de seus personagens”, explica Rafaela Scardino, professora da Universidade Federal do Espírito Santo. 

Algumas obras do autor chegam a ser completamente desprovidas de acontecimentos, como “Viagens no Scriptorium” (2006), na qual o protagonista não sai do cômodo onde se passa o romance.

“Talvez essa seja a principal diferença, não só de seus personagens, mas de sua narrativa: diante do pragmatismo que marca a cultura norte-americana, seus livros, mais que qualquer outra coisa, pensam. E duvidam”, diz Scardino.

Sua ficção traz elementos de diversas tradições e escolas literárias sem de fato pertencer a nenhuma delas. “Ele combina metaficção e autoficção com inserções poéticas, ensaísticas. Vaga entre o realismo e a experimentação”, explica Aliki Varvogli, professora da Universidade de Dundee, na Escócia. 

O livro que fez sua fama, “A Trilogia de Nova York” (1987), é um bom exemplo dessa porosidade. Com três histórias vagamente conectadas, faz uso de procedimentos do romance de detetive para construir uma trama que busca resolver questões existenciais, de identidade e da própria literatura. Assim como boa parte dos romances do autor, o livro se organiza na forma de uma busca: por respostas, por pessoas, por algo que se perdeu. 

Para a professora Rafaela Scardino, a grande questão de sua obra é uma interrogação a respeito das formas de estar no mundo. “Diante de uma vida marcada pelo acaso e pela contingência, como agir responsável e eticamente? O questionamento pelas escolhas éticas e pela responsabilidade com o outro me parece a grande característica de seu trabalho, ainda que talvez não seja a mais óbvia”, explica. 

A característica mais óbvia de Auster é sua insistência em trabalhar a questão da identidade e da perda de identidade.

O tema surge desde seu primeiro trabalho de prosa, “A Invenção da Solidão” (1982), no qual narra memórias a respeito de seu pai, Samuel: um homem basicamente desprovido de emoções aparentes, e que se retira da vida muito antes da morte, fazendo com que seus familiares tenham de conviver com uma ausência. 

Embora tenha abdicado da poesia assim que começou a publicar romances, o Auster poeta ressoa em sua prosa.

“Tudo o que ele viria a trabalhar nos romances já se encontra nos livros de poesia: os temas, os procedimentos. Há trechos inteiros de seus livros recentes que poderiam estar nos poemas”, afirma a pesquisadora Egle Pereira.

Ele também fez incursões no cinema, onde escreveu cinco roteiros e dirigiu quatro filmes, sendo o principal deles “Cortina de Fumaça” (1995).

Apesar de já ter anunciado algumas vezes que encerraria sua carreira, Paul Auster permanece bastante ativo: nos últimos dez anos, publicou oito livros. 

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