São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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Produtor de 'Concubina' briga pelo Oscar

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O inglês Donald Ranvaud, presidente da Serene Productions, é hoje um dos produtores internacionais em maior evidência. Garimpeiro de talentos, ele já produziu filmes em países tão díspares como China, Canadá, Itália, Mali, França, Alemanha e Brasil. É o principal responsável pela chegada ao Ocidente dos filmes de Chen Kaige, o último dos quais, "Adeus Minha Concubina", ganhou a Palma de Ouro em Cannes e é forte candidato ao Oscar de filme estrangeiro.
No Brasil, onde mora seu irmão Ronald, Ranvaud entrou como co-produtor em "Alma Corsária", de Carlos Reichenbach, o grande vencedor do último Festival de Brasília, e deverá se associar à Skylight, do Rio, para a produção do próximo longa de Cacá Diegues, "Tieta do Agreste". Nesta entrevista, ele fala da briga de foice que se tornou o mercado mundial para produções independentes. (JGC)
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Folha - O que está mudando para o cinema independente no mercado internacional?
Donald Ranvaud - Há um mercado em expansão para os melhores produtos destinados a cinemas de arte –especialmente, neste exato momento, filmes asiáticos. Mas ou você os vende muito bem, ou não vende de jeito nenhum... Assim, embora os números globais cresçam, não é muita gente que vê a cor dos lucros. Minha companhia tem uma forte "política de festival". Todos os filmes com os quais me envolvi entraram em competição em Cannes ou na Quinzena dos Realizadores, em Veneza ou em Berlim. Espero que o filme de Carlos Reichenbach, "Alma Corsária", vá a Berlim ou Cannes, e toda minha estratégia de marketing está voltada para conseguir o máximo de resultados nesse contexto. Se falharmos, será muito difícil vendê-lo internacionalmente, já que as pessoas perderam o hábito de ver filmes brasileiros.
Folha - Como foi a comercialização de "Adeus Minha Concubina" e do filme anterior de Kaige, "A Vida sobre um Fio"?
Ranvaud - Negociei os direitos de "Concubina" para o mercado americano e de língua inglesa com a Miramax dez dias antes do Festival de Cannes, a um preço muito bom. A única outra venda que tinha de ser feita era para a França (seis semanas antes de Cannes) para que o retorno fosse compensador. Isso amortizou quase 70% do custo real do filme. Com "A Vida sobre um Fio", eu o produzi graças a vendas antecipadas (Grã-Bretanha, Japão, Holanda, Espanha, Alemanha e Suíça), de tal maneira que o filme se pagou antes mesmo da primeira exibição, mas também neste caso eu vendi para a França e a Itália às vésperas de Cannes.
Folha - Qual é o custo médio de um filme na China? Qual é a proporção entre produções privadas e estatais?
Ranvaud - Os custos médios na China estão subindo rapidamente. Ainda é possível fazer um filme razoável com menos de US$ 1 milhão. Faço a pós-produção de meus filmes fora da China, o que aumenta consideravelmente os custos. É muito mais barato filmar no Vietnã ou mesmo na Tailândia, se você tiver os contatos certos. No último ano foram feitos cerca de 110 filmes na China. Costumava haver muito mais. Os seis principais estúdios são mais autônomos agora e podem também distribuir filmes –coisa que era monopólio do Estado. Tecnicamente não há produções "privadas", mas há uns 10% de filmes totalmente financiados por investimentos estrangeiros (especialmente de Hong Kong e Taiwan).
Folha - Quantos cinemas existem hoje na China? Qual é o número anual de espectadores?
Ranvaud - Deve haver umas 15 mil salas de cinema na China, mas os números variam muito de acordo com as fontes oficiais. Quanto aos espectadores, é impossível dizer, pois o único meio de contá-los é pelo número de cópias feitas e vendidas aos distribuidores regionais. Pode-se dizer que um filme visto por um milhão de pessoas é um belo fracasso.
Folha - O interesse pelos filmes orientais vai durar?
Ranvaud - Acho que o interesse ocidental pelo cinema chinês vai durar mais uns dois anos. Existem uns poucos novos diretores que serão reconhecidos. A força real de Chen Kaige, Zhang Yimou e Tien Zhuang Zhuang é que eles são produtos da Revolução Cultural e estiveram hermeticamente isolados do resto do mundo enquanto cresciam. As novas gerações querem ganhar dinheiro rápido e têm apenas a velha geração para lutar contra. É tudo muito fluido e confuso, também porque as autoridades persistem em ver os cineastas como um problema, em vez de vê-los como algo de que se orgulhar. O cinema de Taiwan tem sido interessante por um período mais longo e mais estável, e acho que deve continuar. Hong Kong é uma bagunça completa e é hoje controlada em grande parte pelas "tríades" (máfias locais). A medida que 1997 (ano em que a possessão britânica será reincorporada à China) se aproxima, as pessoas estão se tornando verdadeiros monstros.
Folha - Você vê algum futuro para o cinema brasileiro?
Ranvaud - Comecei a fazer filmes na China por causa de entraves no Brasil. Conheço Carlos Reichenbach há 12 anos e ter-me associado com ele foi uma experiência maravilhosa que me dá confiança em minha resolução de trabalhar no Brasil. A parte isso, eu realmente acredito que a vez do Brasil e da América Latina está se aproximando, como indica o sucesso de "Como Agua para Chocolate".

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