São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Delírios tributários

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
EDITOR DE ECONOMIA

1993 terminou com a brutalidade fiscal típica dos pacotes de final de ano. De Delfim Netto ao desespero nada ortodoxo do "manelaço" do Cruzado 2 (o naufrágio), passando pela suavidade tucana do ministro Fernando Henrique Cardoso, a receita para concertar as finanças públicas foi a de, primeiro, pedir mais dinheiro para tapar o maior pedaço do buraco –o resto, se sabe, depende do Congresso.
Como marketing, é um desastre deixar para o apagar das luzes algo que se sabia desde o início que viria por medida provisória. Para os contribuintes, foi um filme péssimo a que se é compelido a assistir. Com os políticos, uma grande negociação e palavras de afago. Para o resto, a dureza de portarias, MPs, atos normativos etc.
Por melhor que sejam as intenções –e todos os antecessores de FHC poderiam jurar de pés juntos que eram anjos, embora não pertencessem ao PSDB– há dezenas de dúvidas de que o aumento indiscriminado da carga tributária fosse realmente necessário. Mas é sempre o caminho mais fácil.
Não se comete o mesmo erro várias vezes impunemente. A elevação dos impostos terá o troco matemático da sonegação, se o ministro da Fazenda não agir rápido e colocar para andar o seu plano e, com ele caminhando, mexer de verdade em uma estrutura absurdamente injusta e que por longo tempo se sustentou na impossibilidade do assalariado e das empresas que cumprem suas obrigações se juntarem ao imenso e permanente arrastão dos que não pagam tributos.
Não se trata de uma simples projeção. O economista Lauro Vieira de Faria, da equipe da "Conjuntura Econômica", da Fundação Getúlio Vargas, teve a paciência de coletar os dados. O pacotão de João Manoel, assessor do então ministro Dilson Funaro, terminou derrubando a receita fiscal do governo, em porcentagem do PIB, de 10,7% para 10,4%. Foi pouco porque a "receita" do Cruzado 2 foi apoiar-se em "empréstimos compulsórios" combinados com aumentos de IPI e nos rendimentos e ganhos de capital.
Em 1987, novas medidas fiscais e a receita caiu para 9,6%. Em 1988, mesma coisa, receita de 8,9%. Collor fez a mesma coisa por um ano –e as receitas foram a 12,3% em 90, para cair a 10,1% em 1992.
A previsão de que o governo vai arrecadar 15% mais, em termos reais, feita pelo projeto de orçamento de FHC, pode estar baseada em delírios.

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