São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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O que é o 'desenvolvimento econômico'

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O uso da linguagem está cheio de armadilhas. Controvérsias e acordos no debate público baseiam-se com frequência em mal-entendidos e confusões conceituais não-identificados pelos interlocutores. Uma das razões porque isto ocorre é que diversas expressões de uso (e abuso) corrente estão longe de possuir uma definição clara e precisa. Assim, elas terminam adquirindo –sem que se preste a devida atenção ao fato– os mais diversos significados e conotações.
Considere-se, por exemplo, o conceito de desenvolvimento. De repente, falar em "desenvolvimento sustentável" virou moda. Mas, como mostra o economista ambiental inglês David Pearce, ninguém sabe exatamente o que isto pode significar.
Em seu livro "Blueprint for a Green Economy", Pearce reserva todo um apêndice para oferecer ao leitor uma galeria com mais de 30 definições diferentes de "desenvolvimento sustentável", a maior parte colhida diretamente da literatura especializada sobre o tema. O problema está não apenas no significado do termo "sustentável", mas afeta a própria noção de "desenvolvimento". Afinal, o que cada um de nós tem em mente quando emprega a expressão "desenvolvimento econômico"?
Definir e medir de forma adequada o desenvolvimento de uma nação são tarefas bem mais difíceis do que se imagina. Uma classificação profundamente enganosa, mas que continua sendo bastante utilizada no Brasil, é a chamada "lista das maiores economias do mundo".
Por tal critério, baseado no tamanho do Produto Nacional Bruto (PNB), o Brasil teria chegado a ser a "8.ª economia do mundo" nos anos 80, sendo depois "rebaixado para o 11.º lugar" no final da década. O absurdo deste critério classificatório fica patente quando se observa que, por meio dele, algumas das nações mais pobres do mundo, como India e China, ficariam na frente de países extremamente prósperos, como Suíça, Holanda ou Noruega.
O PNB total de um país nada nos diz sobre a produtividade média e o bem-estar de seu povo. Trata-se, na verdade, de um critério de classificação típico da era mercantilista, no século 17, quando o engrandecimento do Estado tinha precedência sobre os interesses dos indivíduos. Importante era que o Estado fosse poderoso diante de outros Estados e não que a sociedade, ou seja, os indivíduos que a compõem, fossem prósperos, saudáveis e livres. Daí a ênfase no PNB agregado e numa população grande.
Já faz muito tempo, entretanto, que comparações baseadas no PNB total estão desacreditadas nos círculos mais informados. Sua sobrevivência e relativa popularidade no Brasil são indícios claros de analfabetismo econômico.
Um critério bem mais interessante, embora ainda parcial e enganoso, é a produção média por habitante, ou PNB "per capita", adotado pelo Banco Mundial no seu "Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial". Por este critério, o Brasil ocuparia, em 1992, o 37.º lugar entre 125 países do mundo, ficando na fronteira entre as categorias "renda média superior" e "renda média inferior".
O PNB "per capita" é um critério importante de mensuração do desenvolvimento, mas está longe de ser completo ou preciso. Entre os seus principais defeitos estão: 1) a sua dependência da taxa de câmbio oficial entre a moeda local e o dólar norte-americano; 2) as distorções que apresenta no tocante à utilizaão de recursos naturais e deterioração ambiental; e 3) o seu viés economicista, na medida em que reduz o desenvolvimento a uma dimensão estritamente monetária.
Foi precisamente na tentativa de superar estas limitações que foi criado o Indice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pela primeira vez em 1990 no "Relatório do Desenvolvimento Humano" das Nações Unidas.
A idéia básica por trás do IDH é a definição do desenvolvimento como o processo de ampliação do campo de escolhas aberto à população do país. O acesso a recursos, medido pela renda monetária, certamente amplia o campo de escolha do indivíduo.
Mas o mesmo se aplica à saúde e à educação. Para um analfabeto, por exemplo, de que vale a liberdade de ler Machado de Assis? A boa literatura está fora do seu campo genuíno de escolha. Uma população educada tem acesso ao patrimônio cultural da humanidade. A saúde e a longevidade ampliam nossa capacidade de atuação e fruição da vida.
O IDH busca operacionalizar este conceito através de um indicador numérico que combina de forma engenhosa três índices conhecidos: a) a expectativa de vida ao nascer; b) o grau de escolaridade e alfabetização da população; e c) o nível de renda "per capita", mas ajustado à paridade do poder de compra da moeda (para evitar as distorções da conversão pela taxa de câmbio oficial). Calculado para 130 países com população acima de 1 milhão de habitantes, o IDH revela com clareza os limites das estatísticas oficiais.
Pela classificação oficial, o Brasil (PNB "per capita" de US$ 2.680) seria menos pobre que Costa Rica (US$ 1.900), mas estaria bem atrás da Arábia Saudita (US$ 7.050).
Acontece que a expectativa de vida ao nascer é de 74,9 anos na Costa Rica; 65,6 anos no Brasil; e 64,5 na Arábia Saudita. Ao mesmo tempo, o número de anos de escolaridade dos costa-riquenhos é de 5,6, em média, enquanto no Brasil ele é de 3,3 anos e entre os sauditas é de apenas 2,7. Finalmente, ajustando o PNB "per capita" pelo poder de compra da moeda local no próprio país obteremos valores de US$ 4.320 anuais para a Costa Rica; US$ 4.620 para o Brasil; e US$ 9.350 na Arábia Saudita.
Como resultado, a classificação baseada no IDH termina subvertendo inteiramente aquela definida pelo PNB "per capita". Pelo IDH de 1991, o Brasil fica com o 60.º lugar entre os 130 países pesquisados –bem atrás de Costa Rica (que sobe para o 40.º), mas na frente da Arábia Saudita (que despenca para o 69.º lugar).
O IDH representa um importante avanço na busca de uma medida adequada de desenvolvimento. É de se esperar que, com o tempo, ele seja aprimorado (incorporando, por exemplo, variáveis ligadas à qualidade ambiental) e passe a receber maior atenção por parte dos tomadores de decisão e órgãos internacionais. A conclusão otimista é que existe muito a ser feito para melhorar nossos indicadores de bem-estar, mesmo que a economia não esteja crescendo.

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