São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Livro reúne artigos de Euclides da Cunha

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

"A deplorável inanidade do nosso ambiente intelectual", Euclides da Cunha (1866-1909) escreveu –e com certeza não duvidava que também seus escritos pudessem ser vítimas dela. Prova disso é o lançamento agora de "Canudos e Outros Temas" pelo Centro Gráfico do Senado Federal, que comemora com atraso os 90 anos da publicação de "Os Sertões", celebrados em 1992.
Ou melhor, relançamento: trata-se da segunda edição de um livro há muito esgotado, "Canudos e Inéditos", lançado em 1965 pela Melhoramentos. A parte "Canudos - Diário de uma Expedição" reúne as reportagens que Euclides fez quando cobriu a revolta liderada por Antônio Conselheiro, em 1897, e antes havia sido reunida pela José Olympio, em 1939, num livro hoje disputadíssimo por bibliófilos. Ou seja, até agora quem quisesse ler essas preciosidades tinha de escarafunchar em sebos.
Obviamente o livro merece uma edição comercial. São textos importantes de um dos três mais fundamentais escritores brasileiros; além disso, são importantes não só porque contêm referências sobre o maior épico escrito em língua portuguesa no século 20, mas também por si mesmos. E o livro não tem apenas artigos referentes a Canudos, mas outros quatorze textos e duas cartas.
Nas 30 reportagens que o livro traz,enviados da Bahia entre agosto e outubro daquele ano,"Os Sertões" já está vivo, grandioso, com toda a ambiguidade que faz dele um livro moderno e clássico ao mesmo tempo. Ali está um repórter de talento, livre para exercê-lo, fascinado com o mistério da resistência dos sertanejos e também dos soldados às agruras daquela terra terrível. Esse fascínio está na raiz da discórdia que envolve "Os Sertões". Uns o acham barroco demais, túrgido de adjetivos e apostos; outros vêem nessa sintaxe gongórica uma intenção mimética, pois ali estaria refletida a configuração daquele relevo.
Nada disso. Alguns excessos podem ser cortados, sem dúvida –sempre podem. Mas o que essas reportagens e artigos de "Canudos e Outros Temas" mostram é que, para Euclides, havia absoluta necessidade de comunicar todo o assombro ambivalente que a região e a situação exigiam. Necessidade. Euclides não pode ser tratado como um "barroco", praticante de um estilo que busca frivolidades de superfície, esteta dos detalhes. Leia-se com atenção e se verá que Euclides tem o objeto de sua escrita permanentemente focado diante de si.
Outros temas
O destaque da segunda parte do livro é um texto que deveria ser reproduzido milhões de vezes, uma para cada brasileiro que saiba ler: "Ultima Visita". Euclides descreve a noite da morte de Machado de Assis –seu oposto em estilo, seu igual em estatura.
A casa estava vazia de admiradores, salvo alguns amigos do escritor (entre eles, Euclides), todos pasmos com a indiferença da nação ao fato. Chega um rapaz, cujo nome Euclides prefere deixar anônimo, mas é Astrojildo Pereira, e pede permissão para ver o mestre moribundo. Concedida, ele vai, em silêncio completo, beija a mão de Machado e o abraça. Euclides descreve a ação com tinta melancólica, mas abençoando o rapaz. O texto, belíssimo, é um dos grandes momentos de elogio entre dois gigantes nesta terra de gabirus intelectuais.

Título: Canudos e Outros Temas
Autor: Euclides da Cunha
Páginas: 235
Edição: Centro Gráfico do Senado Federal (tel. 061/311-3770)

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