São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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A guerra das ruas

ANTONIO CARLOS CARUSO

Rubem Fonseca, em um dos melhores contos do seu censurado "Feliz Ano Novo", narrava o cotidiano de um sujeito bem de vida, trabalhador e bom marido que tinha o hábito de, após o jantar, atropelar até a morte um desconhecido que escolhia aleatoriamente na rua. Infelizmente, essa fantasia mórbida do escritor extrapolou para a realidade. Grande parte dos motoristas de São Paulo –ainda que pessoas normais– parecem embuídas de um instinto homicida.
O trânsito de São Paulo tornou-se uma guerra. Não apenas em função da estrutura viária atrasada em pelo menos 15 anos em relação às suas reais necessidades, resultado de um processo lento de desrespeito pelos motoristas às regras básicas.
Burlar leis e qualquer outra norma social num país de "espertos" tornou-se praxe e, mesmo cidadãos que se crêem corretos, tomam atitudes que beiram a selvageria. No trânsito, um exemplo cruel comoveu a cidade: Em 21 de outubro, após uma colisão, Maurício Copiano, 18, matou com um tiro Roberto Morais, 19. Graças a Deus o presidente Itamar vetou o direito de dirigir para menores de idade.
Fatos como esse demonstram que é preciso que se tomem medidas urgentes e enérgicas. Como não pode haver impunidade para os envolvidos na CPI do Orçamento, também os motoristas imprudentes devem pagar por seus delitos, seja através de multas que realmente doam no bolso ou, nos casos que se configurem como homicídio, cadeia. Obviamente, é preciso um amplo processo que começa por regras mais rigorosas para concessão de carteiras de motoristas e pela reeducação dos atuais motoristas.
São medidas consideradas impopulares, porém essa é a única forma de se coibir os abusos. As multas deveriam ser proporcionais ao valor do veículo. Alguns estacionam em qualquer lugar, semáforos somente são obedecidos nos horários de rush e em relação ao outro motorista, pois o pedestre é considerado um subcidadão pelos motorizados.
As faixas de segurança são o melhor exemplo para que se estabeleça a relação leonina entre motorista e pedestre. Ultimamente, quase pode-se considerar inútil a verba gasta em tinta e mão de obra para executá-las. Com sinal verde ou vermelho, o pedestre tem de se curvar ao desejo soberano do motorista e, se não houver semáforo, a travessia só é possível quando o fluxo de trânsito cessa. O fato de que os motoristas têm, em geral, situação econômica superior a dos pedestres, reproduz e reforça as desigualdades brutais da nossa sociedade.

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