São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

1994: somente mais um ano?

DANILO DE SOUZA DIAS; ADRIANO PIRES RODRIGUES

DANILO DE SOUZA DIAS e ADRIANO PIRES RODRIGUES
O ano de 1993 iniciou-se em meio a inúmeras incertezas quanto ao rumo da política econômica a ser delineada pelo então recém-empossado presidente Itamar Franco. Em maio o novo governo parece querer assumir uma feição melhor definida, nomeando para os postos chave de condução da economia uma equipe homogênea e de formação sólida, sob o comando de um político experiente e bem-intencionado, o ministro Fernando Henrique Cardoso.
De início, a nova equipe empreende o trabalho nada simples de conferir uma face e um discurso minimamente coerentes a um governo heterogêneo, possuindo ministros e lideranças com ideário dissonantes em relação ao novo projeto que começava a ser desenhado.
Na verdade, a equipe dava seus passos iniciais em meio a um fogo cruzado. A esquerda, vinham cobranças de atitudes fortes e imediatas, acenando com velhas fórmulas heterodoxas e com velhos conceitos redistributivistas que arrasaram com a economia na segunda metade da década passada. A direita, a cobrança concentrava-se em medidas cujo alcance era incompatível com o perfil do governo e com o ritmo próprio ao trabalho legislativo, por se tratarem de questões de necessário trâmite congressual.
Diante de tais posições, a equipe acabou reagindo de maneira ambígua pois, se de um lado sempre negou qualquer tentação heterodoxa, de outro não objetivou convenientemente o seu discurso reformista, através de proposições concretas do Executivo, no sentido da alteração dos dispositivos constitucionais que permitiriam as necessárias mudanças estruturais.
Na verdade, a equipe tornou-se o trunfo e o refém do governo. É esse tipo de situação que explica o caráter relativamente brando e pouco insinuante da maioria das medidas que compõem o recente plano do ministro FHC. Fica claro que este plano exprime menos as próprias convicções da equipe do que os limites de possibilidade de um governo engessado pela indecisão e pela falta de definição político-ideológica.
De fato, se o plano FHC parte de um diagnóstico correto –o déficit do setor público–, sua formulação apenas tangencia o problema, na medida em que responde com visão de curtíssimo prazo a questões de fundo. A percepção do déficit, enquanto fenômeno contábil, a ser combatido pela via de aumento de impostos, é claramente insuficiente: primeiro, pois não há mais espaços para tributar o já tão combatido contribuinte sem, com isso, estimular ainda mais a evasão fiscal; segundo, porque o déficit é fenômeno estrutural e só pode ser equacionado através de um processo claro e decidido de privatização e redimensionamento do Estado, seguido de uma ampla reforma tributária.
No campo específico da privatização, foi surpreendente o fato de o plano FHC –em visível descompasso com o discurso de reformas estruturais da equipe– não encaminhar, com o mínimo de objetividade, propostas concretas para a retomada, em 1994, do Programa Nacional de Desestatização. Este, em dois anos, vendeu apenas 24 empresas (e liquidou sete consideradas inviáveis), arrecadando cerca de US$ 6 bilhões. Dentre as 100 estatais de grande porte, que a ele podem ser incorporadas, destaca-se a grande maioria do setor petroquímico e o setor de energia elétrica.
Quanto a este último, o esdrúxulo perfil político do governo Itamar em 1993 fez com que o Ministério das Minas e Energia tenha se tornado o grande obstáculo à aprovação da Lei de Concessões, que forneceria a base legal para o deslanche da privatização no setor. Já no que se refere ao setor de petróleo e telecomunicações, a existência de dispositivos constitucionais restritivos teria exigido maior empenho da bancada do governo na tentativa de revogá-los ou amenizá-los, não fossem, também, as lideranças governamentais, opostas a este tipo de propostas reformistas.
Em suma, tudo leva a crer que a principal barreira à concretização do discurso de reformas da equipe se encontrava (e ainda se encontra) no governo Itamar. Por tudo isso, caso a revisão constitucional se concentre na discussão casuística do aumento da carga tributária, caso a reforma ministerial em curso perpetue a verdadeira Torre de Babel na composição política do governo e, finalmente, caso o Congresso continue cedendo às pressões corporativas, principalmente aninhadas no setor energético, 1994 será apenas mais um novo ano trazendo, consigo, tudo o que de velho e arcaico cultivamos nas últimas décadas.

DANILO DE SOUZA DIAS, 37, é doutor em economia de energia pelo Instituto Francês de Petróleo.

ADRIANO PIRES RODRIGUES, 35, é doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13.
Os autores são professores do Programa de Planejamento Energético da Coordenação dos Programas de pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).

Texto Anterior: Na polícia; Barrados na porta; De volta
Próximo Texto: Exportação ignorante
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.