São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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Paulistas x cariocas, Itamar e a salvação

BORIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos idos de 1940, o campeonato brasileiro de seleções era o ponto alto do calendário futebolístico. Getúlio Vargas, no comando do Estado Novo, tentava acabar com o regionalismo, centralizando o poder e queimando bandeiras estaduais. Mas, o regionalismo represado se mantinha e até ganhava maior ímpeto no esporte, em época de pequena circulação de jogadores e onde se mantinham os ecos sublimados da revolução de 1932.
Inevitavelmente, os jogos desembocavam na melhor de três, disputada entre paulistas e cariocas, com uma partida decisiva em São Januário ou no Pacaembu. Lembro alguns momentos dramáticos destes confrontos. Graças às virtudes mediúnicas dos locutores esportivos, com quem era possível alçar vôos inimagináveis nestes tempos de televisão, víamos São Paulo resistir heroicamente e ganhar de 1 a 0 em São Januário, com um gol de Lima –o garoto de ouro do Palestra–, marcado no início da partida. Víamos, com horror supremo, o monstro (sem aspas) Zizinho quebrar a perna do Agostinho, zagueiro exemplar da seleção bandeirante, em pleno Pacaembu.
Era uma época em que os cariocas imperavam em campo e fora dele. Por razões que a própria razão desconhece, no sorteio do local do jogo decisivo, a bolinha quase sempre apontava o assustador estádio de São Januário.
O torcedor paulista sonhava com uma era futura, em que São Paulo chegaria à supremacia, se possível de forma arrasadora. Passaram-se uns 50 anos e o sonho se realizou, trazendo alegria e também, inesperadamente, frustração. Ficamos todos, isto é, os torcedores paulistas que vem dos idos de 1940, como o americano médio, no fim da Guerra Fria. Já não há o império do mal para combater. Vasco, Botafogo, Fluminense e até o Flamengo são fantasmas do passado.
A partir desta sensação estranha, estou convencido de que é preciso promover a reabilitação do futebol carioca. Não só porque a derrocada do inimigo deixou um vazio nas hostes paulistas, como também porque assim se ajudaria a revitalizar a pujante torcida carioca que já não tem para quem torcer. Trata-se até de um dever premente, pois nenhum agrupamento humano pode suportar tanto declínio: cidadão da ex-cidade maravilhosa, ex-capital da República, ex-potência máxima do futebol brasileiro.
A situação do futebol carioca não permite meias medidas; exige um remédio heróico. Sugiro que o presidente Itamar Franco baixe medida provisória, determinando a volta aos gramados cariocas dos jogadores no exterior, sob pena de pesadas sanções que a clarividência presidencial saberá encontrar. Jorginho, Ricardo Gomes, Mozer, Bebeto, Romário etc. têm qualidades de sobra para revitalizar um futebol arrasado por bicheiros e dirigentes incompetentes.
O Congresso, com velocidade inimaginável, aprovaria a medida e, na sua volúpia de emendas, determinaria a volta de todos os jogadores no exterior, fossem eles paulistas, mineiros ou gaúchos, em nome do princípio da isonomia. Estaria garantida a ressurreição do futebol carioca e de outros centros e, mais ainda, seria possível preparar a seleção com tempo suficiente, tirando uma boa desculpa da fala do Parreira.
Mas haveria outras vantagens. Todos nós acompanharíamos com entusiasmo a aprovação das medidas e o ministro Fernando Henrique poderia executar com calma o plano econômico, sem as pressões de tanta gente. A popularidade do presidente Itamar e do Congresso chegaria a alturas não quantificáveis e o Brasil reencontraria seu grande destino.

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